Certidão de óbito aponta que jovem de 15 anos morreu por envenenamento em bananal no interior de SP


Coagulopatia e insuficiência renal aguda também estão entre as causas da morte de Kaue de Jesus Nery dos Santos, de 15 anos. Ele teve contato com o veneno enquanto trabalhava no bananal em Jacupiranga (SP). Kaue de Jesus Nery dos Santos, de 15 anos, morreu dias depois de manusear produto agrícola em Jacupiranga (SP)
Reprodução/TV Tribuna
O g1 teve acesso à certidão de óbito de Kaue de Jesus Nery dos Santos, o adolescente de 15 anos que morreu dias depois de manusear produtos químicos em um bananal, em Jacupiranga, no interior de São Paulo. Conforme relatado no documento, coagulopatia, insuficiência renal aguda e envenenamento acidental por herbicida foram as causas da morte do menor.
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Kaue estava internado no Hospital Regional de Registro (SP) e morreu por volta das 4h de domingo (11). Segundo o boletim de ocorrência, o adolescente teve contato com o veneno enquanto trabalhava no bananal de um sítio, localizado no bairro Guaraú. A Polícia Civil investiga o caso como maus-tratos.
A equipe de reportagem entrou em contato com a pediatra Heloíza Ventura e com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para entender as causas da morte de Kaue. Veja cada uma delas abaixo:
➡️ Envenenamento acidental por herbicida: Familiares do adolescente afirmaram que um amigo de Kaue, que também trabalhou no bananal, contou que ele teve contato com duas substâncias químicas tóxicas, conhecidas como Gramoxone e Gramocil.
Na ocasião, o adolescente estava internado e a médica do hospital constatou que os sintomas dele eram os mesmos causados pelos produtos químicos citados pelo colega, de acordo com o relato da família.
Por meio de nota, a Anvisa explicou que o Gramocil e Gramoxone são agrotóxicos à base do ingrediente ativo “paraquate”, com uso proibido no Brasil desde 2017 e com período de descontinuação de uso finalizado em 2021.
A agência destacou que a proibição do uso e comercialização foi determinada especificamente por três fatores:
➡ Potencial de causar mutagenicidade, ou seja, os agrotóxicos podem ser capazes de induzir alterações no material genético (DNA);
➡ Fator de risco para a Doença de Parkinson, um distúrbio que degenera progressivamente células do cérebro;
➡ Possibilidade de intoxicação aguda grave decorrente da exposição ocupacional [presença ou contato com as substâncias].
Embalagens de herbicida com Paraquat apreendidos em Santa Catarina, em 2024
Polícia Federal/Divulgação
O órgão também destacou a importância de esclarecer que os agrotóxicos só podem ser utilizados no Brasil se registrados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). “O registro é um processo rigoroso que envolve avaliação toxicológica, avaliação ambiental, além da avaliação agronômica e eficiência contra as pragas-alvo”, finalizou a Anvisa.
➡️ Coagulopatia: De acordo com a pediatra Heloíza, a condição é um distúrbio na coagulação sanguínea que resulta em sangramentos prolongados e excessivos.
“Existem coagulopatias que são doenças, e tem algo que a gente chama de adquirida. Então, às vezes alguma medicação, intoxicação ou envenenamento podem causar a coagulopatia”, destacou a especialista. “[A condição] pode levar à morte pelo sangramento”, acrescentou ela.
➡️ Insuficiência renal aguda: Heloíza explicou que trata-se da parada ou dificuldade de funcionamento dos rins. “O paciente começa a ficar inchado, não começa a ter a filtração que o rim faz, então é uma causa potencial de morte”, afirmou a pediatra.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que o caso é investigado por meio de inquérito policial no 2º Distrito Policial (DP) de Jacupiranga. “Demais detalhes serão preservados devido envolver menor de idade”, afirmou a pasta.
Trabalho infantil
Adolescente de 15 anos morre após manusear produto químico no interior de SP
O Conselho Tutelar constatou que ao menos quatro adolescentes, entre 14 e 15 anos, tiveram contato com o veneno enquanto trabalhavam no bananal. Eles foram submetidos a exames médicos para verificação do estado de saúde e possível intoxicação, mas os resultados ainda não foram divulgados. A instituição ainda tenta localizar outros três jovens que teriam prestado serviços no local.
Em nota, o Conselho Tutelar informou que encaminhou a notícia de fato ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e formalizou uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Além disso, a instituição orientou os familiares dos adolescentes sobre os riscos do trabalho infantil.
Também por meio de nota, o MPT informou que a notícia de fato foi recebida pela unidade de Sorocaba (SP), que atende 73 cidades, incluindo as da região do Vale do Ribeira, no dia 9 de maio.
“A atividade que supostamente estava sendo executada pelo adolescente é considerada uma das piores formas de trabalho infantil, segundo o decreto federal 6.481/08. Contudo, neste momento, a procuradora precisa se munir de informações para instruir o procedimento”, afirmou o órgão.
O g1 tentou contato com o proprietário do sítio, mas não o localizou até a última atualização desta reportagem.
Família não sabia
Kaue de Jesus Nery dos Santos (à dir.) e a irmã Kauane de Jesus Santos (à esq.)
Reprodução/TV Tribuna e Reprodução/Facebook
Em entrevista à TV Tribuna, afiliada da Globo, a irmã do jovem, Kauane de Jesus Santos, contou que o parente trabalhava no bananal porque queria ter o próprio dinheiro. Ela garantiu que a família acreditava que ele apenas carregava bananas no serviço.
“Nós nunca imaginávamos que ele ia jogar veneno porque nós mesmos não íamos deixar, se nós soubéssemos disso. Deus me livre”, afirmou a irmã. “Para nós, ele ia trabalhar, tirava foto carregando banana porque todo jovem quer ter seu dinheiro, quer trabalhar, quer ter suas coisinhas”.
O caso
Conforme relatado no boletim de ocorrência, o irmão do adolescente conversou com o serviço social do Hospital Regional de Registro e explicou que Kaue trabalhou no bananal em um dia que era feriado e não havia aula. O jovem não soube informar a data exata.
Ainda segundo o registro policial, o irmão afirmou aos profissionais de saúde que Kaue utilizava defensivos [produtos químicos, biológicos ou físicos usados para proteger a produção agrícola] “quando inalou veneno”.
Segundo o BO, o menino ficou alguns dias com sintomas leves, mas precisou ser levado ao serviço de emergência de Jacupiranga, no último dia 6. Em seguida, ele foi encaminhado ao Hospital Regional de Registro, que constatou que “o adolescente realizava trabalho infantil manipulando veneno em bananal”.
A unidade de saúde registrou a ocorrência pela Delegacia Eletrônica e acionou o Conselho Tutelar. Conforme apurado pelo g1, o caso é investigado como maus-tratos pelo 2º Distrito Policial (DP) de Jacupiranga.
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