
Saúde prorrogou contrato com a empresa de ortopedia por mais 12 meses em novembro do ano passado, mesmo após assinar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MP-AC. Cláusulas impediam a prorrogação, mas a empresa entrou na Justiça e conseguiu reverter a decisão. MedTrauma é responsável pela ala ortopédica do Pronto-Socorro de Rio Branco
Neto Lucena/Secom
A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) determinou, em nova decisão, que a Secretaria Estadual do Acre (Sesacre) faça novas licitações para contratação de duas empresas para substituir a Empresa MedTrauma Serviços Médicos Especializados Ltda., responsável pela ala ortopédica do Pronto-Socorro de Rio Branco .
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“Deverá a Sesacre realizar procedimento licitatório urgente para contratação de duas empresas especializadas, uma para prestação de assistência suplementar à saúde na área de Ortopedia e Traumatologia e outra para o fornecimento de órteses, próteses e materiais especiais (OPMES), com estrita observância às normas legais”, diz parte da decisão da Justiça.
A reportagem entrou em contato com a Sesacre e aguarda retorno.
Nesta quarta-feira (9), o deputado estadual Edvaldo Magalhães (PCdoB) denunciou, durante sessão na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac), que o governo mantém contrato com a empresa investigada.
O processo judicial se arrasta desde o ano passado. A empresa é investigada por um superfaturamento com estimativa de R$ 9 milhões nos serviços prestados no estado acreano. A situação foi exposta em uma reportagem do Fantástico veiculada na TV Globo em fevereiro de 2024.
A nova decisão trata de um agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto pelo Ministério Público Estadual (MP-AC) após a Saúde descumprir cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em abril do ano passado entre o MP-AC e a Sesacre.
Uma das cláusulas impedia a Sesacre de prorrogar a parceria ou contratar a empresa novamente. A empresa entrou com uma tutela de urgência para suspender os efeitos da cláusula do TAC que impedia a prorrogação. A tutela foi concedida e o contrato prorrogado por mais 12 meses em novembro de 2024.
Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) prorrogou o contrato com a empresa MedTrauma
Reprodução Rede Amazônica Acre
“Aduziu que a decisão hostilizada, a qual autorizou a continuidade/prorrogação do contato, desconsiderou o caráter preventivo do Termo de Ajustamento de Conduta e que por inexistir vícios capazes de macular o termo, a decisão objurgada revela-se violadora dos princípios da moralidade, eficiência e do interesse público”, destaca.
Além da novas licitações, a Justiça destaca que deve ser mantida na íntegra a cláusula 8ª, que proíbe ‘definitivamente a prorrogação do contrato administrativo com a Medtrauma Serviços Médicos Especializados’.
TAC
Na época, o TAC estabeleceu pena pecuniária de R$ 10 mil por dia em caso de descumprimento da Sesacre.
Uma das cláusulas determinava que a Saúde do Estado contratasse duas empresas para substituir a MedTrauma por meio de licitação, no prazo de quatro meses.
“Uma para prestação de assistência complementar à saúde na área de Ortopedia e Traumatologia, e outra para o fornecimento de órteses, próteses e materiais especiais (OPMES)”, destaca o documento.
Ao todo, o termo tinha 14 cláusulas.
Efetuar revisão de todos os pagamentos realizados, bem assim como dos que serão efetuados. Prazo: 10 dias a partir da assinatura do termo
Efetuar perícia/recomposição dos valores contratuais, com base nos valores referências de mercado à época da contratação para readequação dos pagamentos processados. Diante da identificação do sobrepreço, superfaturamento, da não prestação dos serviços ou fornecimento dos equipamentos, abrir uma auditória própria pelos órgãos de controle. Encaminhar os resultados e detalhes da apuração para o MP-AC. Prazo: 30 dias.
Obriga-se, por meio de procedimento administrativo próprio, realizar, junto com os representantes da empresa, a compensação de valores, em relação as readequações dos pagamentos processados, estipulando-se o ressarcimento;
Compromete-se, enquanto não realizado a compensação dos valores, não fazer nenhum pagamento da dívida de mais de R$ 11,5 milhões até o término da auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-AC).
Compromete-se pela não prorrogação do contrato administrativo n.º 563/2022 formalizado com a empresa. Diante da não prorrogação, a Sesacre deverá fazer novas licitações para possibilitar o atendimento à demanda da administração.
Deverá encaminhar ao MP-AC sobre as possíveis empresas aptas à contratação, com as respectivas propostas, assim como cientificar previamente acerca de cada fase dos procedimentos licitatórios.
Em abril de 2024, a Sesacre reconheceu, por meio de divulgação no Diário Oficial do Estado (DOE), a dívida de mais de R$ 11,5 milhões que possui com a MedTrauma. O débito foi adquirido com a contratação de serviços prestados com a empresa entre maio e agosto de 2022.
Na época, o secretário de Saúde, Pedro Pascoal, destacou que o reconhecimento fazia parte do TAC firmado entre as partes. O termo orienta e recomenda ainda uma auditoria nas notas pagas e débitos. “Não se trata, portanto, de manutenção do contrato com a empresa ou pagamentos em data posterior”, argumenta.
Investigações
O suposto esquema de superfaturamento em cirurgias desnecessárias praticadas pela empresa começou a ser investigado pela Controladoria-Geral da União (CGU) e resultou em um relatório que destacou informações referentes aos anos de 2021 a 2022, na época da primeira gestão do governador Gladson Cameli (PP).
A terceirização dos serviços se deu desde agosto de 2021, segundo o documento que conta com 39 páginas detalhando a análise.
Pascoal defendeu a manutenção do contrato entre o governo do estado e a empresa na época. O suposto esquema foi criticado por diversos deputados da oposição na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac). Voluntariamente, o médico esteve na sessão, que foi suspensa para que ele pudesse ser ouvido.
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O trabalho de investigação teve o estopim no Acre com o relatório emitido pela CGU que apontou, em agosto de 2023, um superfaturamento com estimativa de R$ 9 milhões. O parecer saiu em uma auditoria feita pela Controladoria.
A reportagem do Fantástico destacou, na época, ainda que o contrato com a MedTrauma foi assinado com a Sesacre em 1º de agosto de 2022. As autoridades apuraram se essas práticas de irregularidades foram exportadas para Mato Grosso e Roraima, outros dois estados investigados.
Ao ser questionada pela CGU, a Sesacre disse que não estava usando verba federal para pagar o contrato da Medtrauma, mas o ministro da Controladoria Geral da União discordou. “Há recursos federais, estaduais e municipais. Neste caso, não há sombra de dúvidas de que há recursos federais envolvidos”, disse Vinícius Marques de Carvalho.
Como a MedTrauma que fornece tudo, de funcionários a peças, o Tribunal de Contas da União (TCU) também emitiu um parecer ao relatório da CGU. Nisto, concluiu-se que a empresa teria interesse em fornecer a prótese que obtivesse o maior lucro, o que configuraria um “exercício mercantilista da medicina”.
Na época, o advogado da empresa, Marcello Dias de Paula, disse que a empresa não tinha nada a esconder e defendeu o modelo de contrato que dá à MedTrauma poderes pra cuidar de todo o processo – da contratação de médicos ao fornecimento de próteses e órteses, as chamadas OPMES. Paula garantiu que qualquer paciente pode procurar a empresa com pedido de informações de sua prótese. Ele não quis comentar sobre as denúncias feitas pelos pacientes ao Fantástico.
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