
Santa Catarina enfrenta eventos meteorológicos, como chuvas fortes, enchentes e ventanias, há muito tempo. A discussão sobre como prevenir eventos extremos e minimizar seus impactos ocorre tanto nas universidades quanto em entidades como o Ministério Público de Santa Catarina.

Entre os eventos climáticos que atingiram o Estado em 2024, estão as enchentes, como essa, em Joaçaba, no Oeste – Foto: Divulgação/ND
Há um ano, o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) criou o GedClima (Grupo Especial de Defesa dos Direitos Relacionados a Desastres Socioambientais e Mudanças Climáticas), o primeiro grupo multissetorial e interdisciplinar do Brasil a abordar o tema.
O subprocurador e presidente do grupo, Paulo Locatelli, explica que a ideia da criação do GedClima “surgiu das catástrofes que enfrentamos e também do que ocorreu no Rio Grande do Sul. Nosso objetivo é divulgar o conhecimento científico, fomentar políticas públicas, promover boas práticas e ampliar o alcance dessas iniciativas nos municípios”, afirma.
Santa Catarina se destaca dos demais por causa da sua posição. “A posição em uma faixa do globo terrestre em que o encontro de massas de ar frio e secas com massas de ar quente favorece uma constante alteração de condições meteorológicas, resultantes da atuação de vários sistemas meteorológicos diferentes, tais como frentes frias, ciclones extratropicais, vórtices ciclônicos, dentre outros”, explica o meteorologista Daniel Calearo.
Alguns fatores de origem local e regional também contribuem no sentido de incrementar os efeitos atmosféricos de maior escala. “O relevo que proporciona elevação do ar e formação de eventos extremos localizados. E tem a associação ao fator maritimidade, o qual gera grande transporte de umidade oceânica e que impulsiona e alimenta as formações de instabilidade locais”, pontua o meteorologista.
Grupos temáticos
A rede de articulações criada é composta por três grupos temáticos, cada um dedicado a um tema específico: ciência e tecnologia, políticas públicas e assistência social. Além do MPSC, outras 17 instituições integram o GedClima, contribuindo com ações dentro das áreas de atuação.
Falta de estrutura da Defesa Civil coloca cidades em risco
Um levantamento do TCE/SC (Tribunal de Contas do Estado) aponta que 100 municípios de Santa Catarina estão em risco de inundações e deslizamentos de terra. O estudo, divulgado em 2024, mapeou cerca de 3.000 áreas e reforça a necessidade de os municípios se prepararem para enfrentar desastres climáticos.
“Nossa área técnica tem feito levantamentos fundamentais. O Tribunal de Contas não poderia deixar de participar dessa iniciativa do Ministério Público Estadual. Também há estudos sobre municípios com irregularidades no plano diretor, documento essencial para a definição de áreas de risco”, comenta o vice-presidente do tribunal, conselheiro José Nei Ascari.

Agricultores de Rio do Sul sofrem com as cheias registradas no município – Foto: NDTV/Reprodução/ND
O Tribunal de Contas enviou orientações às prefeituras, incluindo a execução da PNPDEC (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil), a inscrição no Cadastro Nacional de Municípios com áreas suscetíveis a influências, inundações e outros desastres, a fiscalização periódica de áreas de risco e a revisão dos planos diretores.
O levantamento do TCE/SC foi baseado em dados do Serviço Geológico do Brasil e nas respostas de 284 municípios catarinenses, abrangendo 96% do território estadual. Dentro desse cenário, um dado preocupante se destaca: 13 municípios com áreas de risco mapeadas informaram não ter uma estrutura formalizada de Proteção e Defesa Civil. Todas as cidades têm menos de 50 mil habitantes.
Soluções baseadas na natureza
Criado pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), o termo SbN (Soluções Baseadas na Natureza) propõe estratégias para melhorar a qualidade de vida, reduzir desastres e minimizar o calor em áreas urbanas.
As soluções são diversas e se adaptam às demandas de cada cidade. Entre as mais utilizadas estão a agricultura urbana, corredores ecológicos, restauração de encostas e recuperação de margens de rios. “São alternativas que os municípios podem implementar para enfrentar eventos extremos e se preparar para a adaptação climática. Em 2024, apresentamos 84 ações para auxiliar as cidades nesse processo”, ressalta a gerente de Clima e Energia da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e da Economia Verde, Cristiane Casini Bitencourt.
Investimento de R$ 9,9 milhões para equipar defesas civis
Menos de um ano separa o levantamento do TCE/SC do projeto de equipagem das defesas civis municipais. Foi a partir desse estudo que surgiu a ideia de estruturar os municípios na gestão de riscos. O investimento previsto é de R$ 9,9 milhões, oriundos do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados, do próprio MPSC.
Lançado em fevereiro deste ano, o edital de chamamento busca selecionar até 50 municípios para receber kits de equipamentos para os setores de Proteção e Defesa Civil. A previsão é de que o processo de seleção termine em agosto. Cada kit, avaliado em até R$ 197,8 mil, inclui dez equipamentos de proteção individual, um veículo 4×4, uma estação meteorológica e equipamentos de comunicação, como celular, computador, impressora e rádios comunicadores.

Chuvas intensas atingiram Xanxerê na noite de quinta-feira (27); mudanças climáticas afetam Santa Catarina – Foto: Divulgação/Defesa Civil/ND
Alternativas para minimizar prejuízos
O cientista e climatologista brasileiro Carlos Nobre também propõe alternativas para as cidades enfrentarem os impactos climáticos. Ele destaca soluções para minimizar os prejuízos causados pelas ondas de calor que afetaram Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná entre o final do ano passado e início deste ano. “Precisamos criar ambientes onde pessoas vulneráveis, como bebês, idosos e doentes, possam se proteger do calor extremo. Restaurar um aglomerado urbano reduz significativamente a temperatura e melhora as condições para a saúde”, explica.
Especialistas na área também confirmaram a importância de discutir essas soluções, especialmente em casos de desastres ambientais que impactam o meio ambiente e impulsionam medidas de recuperação. Muitas vezes, é necessário recorrer à Justiça para garantir ações efetivas de recuperação ambiental.
Na UFSC, o Observatório de Justiça Ecológica atua nesse contexto, desenvolvendo pesquisas e projetos de extensão sobre direitos ecológicos e justiça socioambiental. “Ocupar o espaço da ciência jurídica é essencial para demonstrar como nosso trabalho pode contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas e a gestão de riscos de desastres”, explica a pesquisadora do Observatório, Rafaella Fernandes de Mattos.
De olho na cop30
Em novembro, o Brasil sediará a edição de 2025 da COP (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), a COP30. O evento acontecerá em Belém (PA) e deverá reunir cerca de 7.000 participantes, entre chefes de Estado e especialistas em clima.Antes disso, em maio, o MPSC apresentará as ações do GedClima em uma reunião da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público).
A proposta é que o projeto catarinense sirva de referência para o enfrentamento das mudanças climáticas em outras regiões do país. “Esse modelo pode ser replicado em outros estados. Temos interesse em destacar o potencial do GedClima e participaremos desse evento internacional”, confirma o presidente do grupo, Paulo Locatelli.
Entidades participantes
- Ministério Público Federal
- Federação das Indústrias de Santa Catarina
- Defesa Civil Estadual
- Assembleia Legislativa de Santa Catarina
- Tribunal de Contas do Estado
- Federação de Consórcios
- Associações de Municípios e Municípios de Santa Catarina
- Corpo de Bombeiros Militar
- Polícia Militar Ambiental
- Instituto do Meio Ambiente
- Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco da UFSC
- Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
- Secretaria de Estado da Assistência Social
- Procuradoria Geral do Estado
- Ordem dos Advogados do Brasil
- Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Economia Verde Instituto Federal Catarinense
Cidades em Risco
- São Miguel do Oeste 40.868
- Braço do Norte 33.876
- Santa Cecília 16.918
- Jacinto Machado 10.376
- Maracajá 7.378
- Romelândia 4.684
- Nova Itaberaba 4.329
- Caxambu do Sul 3.551
- Calmon 3.335
- Urupema 2.459
- Arvoredo 2.234
- Frei Rogério 1.970
- Paial 1.434