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É cedo para saber se o presidente entrará na história como o líder que resolveu problemas que pareciam insolúveis ou como o doido que ajudou a pôr fogo no mundo. De duas, uma. Muita gente, que julga as propostas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pelas aparências, acredita que ele terá seu nome incluído entre os malucos que tornaram o mundo um lugar pior do que era antes dele surgir e por suas ideias em prática. Esta é a primeira hipótese. A outra possibilidade, que muito menos gente considera provável, é a de que Trump passará para a história como o líder que foi capaz de alterar a lógica do comércio internacional, conter o ímpeto expansionista da China e acabar com conflitos seculares entre povos que nunca foram amigos. Pela forma como Trump conduz seu governo, parece não haver lugar para o meio-termo: será tudo ou nada, para um lado ou para o outro. Qualquer que seja a hipótese que venha a prevalecer, a responsabilidade do presidente será pessoal e intransferível. Seja como for, o fato é que Trump parece orientar suas ações a partir de uma lógica inversa da que consta dos manuais clássicos da política e da diplomacia e orientou as relações internacionais nas últimas décadas. Qualquer estudante de Ciência Política, por exemplo, conhece a definição de guerra do general alemão Carl von Clausewitz — que via os conflitos armados como “a continuação da política por outros meios”. Ou seja, como o recurso extremo, que só deve ser posto em prática depois de falharem todas as tentativas de entendimento pacífico em torno de uma determinada desavença. Isso não se aplica ao estilo de Trump. Com suas ameaças recorrentes de tomar pela força tudo que é de seu interesse, Trump dá a impressão (e, note-se que, por enquanto, estamos falando apenas de uma impressão; não de fatos consumados) de que, em seu caso, a conversa se inicia pela ameaça de guerra para só depois chegar ao entendimento. Foi assim, por exemplo, na questão em torno do Canal do Panamá e em outros assuntos em que os interlocutores começaram prometendo resistir às investidas do novo governo americano e acabaram recuando para uma posição próxima da proposta de Trump. Novos capítulos da disputa que o coloca em confronto com todos os outros países do mundo irão ao ar nos próximos dias e alguns deles envolvem o Brasil. E tudo que Brasília não deve fazer em relação a isso é procurar medir forças com os Estados Unidos antes de avaliar o que pode perder caso opte por contrariar os interesses norte-americanos apenas para se manter fiel a seus aliados do BRICS. Chegou a hora do Itamaraty deixar de lado a companhia indesejável das ditaduras que tem apoiado nos últimos anos e buscar, como a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul estão fazendo, o entendimento bilateral com o Departamento de Estado. Será que isso será possível?
ELEVAÇÃO DO TOM DE VOZ
Seja como for, a maneira com que Trump tem enfrentado os problemas que estiveram no topo de suas prioridades neste primeiro mês de governo (que se completará na próxima quinta-feira, dia 20) dá uma pista de como ele agirá caso desavenças comerciais em torno das tarifas de produtos como o aço ou o etanol evoluam para o contencioso. É bom prestar atenção no modo com que ele age, até para não fazer o primeiro movimento hostil numa briga que, seja qual for o desfecho, pode custar caro para o país. Todos os movimentos de Trump começam pela elevação do tom de voz e pela ameaça de usar a força de seu exército ou de seu poderio econômico antes de iniciar qualquer diálogo em busca do entendimento. Se essa estratégia é condenável ou não — ou se essa será a postura do governo dos Estados Unidos pelos próximos quatro anos — é algo que só o tempo dirá. Se Trump, em algum momento, transformará suas ameaças de guerra numa ação mais efetiva é outro ponto ainda à espera de confirmação. O fato, porém, é que, agindo da maneira como age, seu governo conseguiu, num período muito curto, muito mais avanços em relação a temas de interesse mundial do que seu antecessor Joe Biden ao longo de toda sua administração. Goste-se ou não do estilo de Trump e da forma como ele conduz o debate, o certo é que ele pôs para andar, em seu breve tempo de governo, temas que pareciam condenados a girar e torno de si mesmos, sem encontrar uma saída para o bem ou para o mal. Na sexta-feira passada, para citar apenas um dos exemplos mais destacados da lista, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, manifestou em Munique, na Alemanha, a disposição de participar da iniciativa de entendimento proposta por Trump. Dependendo de como a questão evoluir, isso pode significar o fim da guerra entre seu país e a Rússia, que já se estende por três anos. Zelensky Em Munique, onde esteve para participar da mais importante conferência sobre Segurança do mundo, Zelensky se reuniu com o vice-presidente dos Estados Unidos, James David Vance. Ele deixou claro, mesmo antes do encontro que, dependendo do que acertar com o governo norte-americano, ele poderá se reunir com Vladimir Putin para discutir um acordo de paz. “Teremos uma chance de sobreviver sem o apoio dos Estados Unidos”, disse o líder ucraniano. “Queremos alcançar uma paz duradoura. Não aquele tipo de paz que acabará com o Leste Europeu em conflito dentro de alguns anos”, afirmou Vance ao final do encontro. Se essa solução levará a um entendimento imediato e obrigará o recuo das tropas russas, que deram início às hostilidades ao invadir a Ucrânia em 2022, é algo que ainda não se sabe. Se Zelensky será forçado a entregar os anéis para não perder os dedos, também não. Os analistas afirmam que ele deverá ceder à Rússia parte do território ocupado pelas tropas do ditador Putin e terá que desistir de uma adesão formal à OTAN. Seja como for, só o fato de Trump ter provocado o diálogo entre os dois lados em conflito já significa um avanço considerável em relação à situação anterior — na qual a possibilidade de russos e ucranianos dividirem a mesa de negociação era vista como algo praticamente impossível. Muita água ainda correrá antes de um entendimento, mas só o fato de haver uma disposição para o diálogo já indica que o fim da matança já está mais próximo do que estava um mês atrás.
CONDUTA COVARDE
Outro ponto que não pode ser ignorado neste momento — e que atrai mais atenção do que o drama da Ucrânia — é o papel que Trump assumiu em relação ao conflito do Oriente Médio. A guerra de Israel contra o grupo Hamas, nos últimos meses, avançava sem se aproximar de uma solução. Nem os terroristas falavam em libertar os reféns confinados em suas masmorras nem Israel se propunha a interromper os bombardeios que vinham castigando as bases do Hamas e tudo o que havia em volta delas na Faixa de Gaza. Antes de prosseguir, uma observação: muita gente insiste em ignorar que a guerra só começou porque o ataque covarde de uma horda de terroristas ao território israelense deixou para trás um rastro de 1200 mortos, centenas de mulheres violentadas e dezenas de crianças estripadas. Ao voltar para seus covis, os estupradores, infanticidas, assassinos e, claro, terroristas arrastaram mais de 200 reféns para suas masmorras. Infelizmente, muita gente ao redor do mundo não vê a agressão do dia 7 de outubro de 2023 como um fato grave o suficiente para justificar a reação enérgica por parte de Israel. Este é o ponto: a guerra jamais teria se iniciado e não haveria a morte de uma única criança ou mulher usada como escudo humano pelo Hamas se o atentado não tivesse acontecido. Independente disso, porém, o conflito vinha evoluindo sem uma solução provável até que Trump entrou em cena com ideias que, à primeira vista, não faziam o menor sentido. Só para recordar: Trump propôs assumir a posse da Faixa de Gaza, transformar o lugar em um complexo turístico de primeira grandeza, oferecer a palestinos abrigo em território da Jordânia e do Egito e acabar de uma vez por todas com a quimera da criação de um Estado Palestino grudado na fronteira com Israel. A ideia dos “dois Estados na mesma terra”, por sinal, tem sido a solução fácil, proposta por gente que parece mais interessada na perpetuação do que no fim do conflito. Trump foi o primeiro líder mundial a pôr o dedo na ferida e mostrar que essa ideia é impossível. Tudo bem! Trump fez essa proposta durante a vigência do acordo de cessar fogo entre Israel e o Hamas, fechado por seu antecessor Joe Biden, que havia entrado em vigor dois dias antes de sua posse. O acordo pôs um fim, ainda que provisório, aos bombardeios israelenses. O fato, porém, é que os terroristas do Hamas resolveram transformar a devolução de reféns, a que estavam obrigados pelo acordo, num espetáculo deplorável de provocação e demonstração de força. Um espetáculo que parece ter sido tramado com a intenção de provocar Israel e motivar uma retaliação que colocaria fim ao cessar-fogo. A cada sábado, terroristas fantasiados de soldados, portando armas de guerra e com as caras escondidas atrás de panos pretos, tangiam os reféns para palanques e os expunham à humilhação antes de serem entregues à Cruz Vermelha. Pois bem… O estado deplorável em que se encontravam os três reféns devolvidos pelos terroristas no sábado retrasado gerou protestos de Israel. Os terroristas, claro, acusaram o golpe. Fiéis à conduta covarde de atribuir ao adversário a responsabilidade pelos crimes que cometem, os chefões do Hamas (ou do que restou da corja depois de um ano de combates), devolveram as acusações. Na segunda-feira passada, afirmaram que alguns dos 183 prisioneiros libertados em troca dos três reféns israelenses não estavam em boas condições de saúde. Por essa razão, e por supostas violações por Israel do acordo de cessar fogo, eles não fariam a devolução de reféns prevista para o sábado seguinte, ontem. O governo de Israel reagiu prontamente e pôs suas Forças de Defesa em alerta máximo. Se os terroristas do Hamas interrompessem a libertação dos reféns, a guerra voltaria com força total. Horas depois, foi a vez de Trump se manifestar, dizendo que, se todos os reféns não fossem libertados, o cessar fogo seria cancelado e que ele faria “o inferno se soltar” sobre Gaza. Foi o que bastou para que os corajosos “combatentes” do Hamas fingissem não ter feito qualquer ameaça. Imediatamente, garantiram a libertação dos reféns, conforme previsto. E ainda se apoiaram no acordo que estavam dispostos descumprir para negar a Trump e a Israel o direito de ameaçá-los. “A linguagem de ameaças não tem valor e só complica as coisas”, disse o terrorista Sami Abu Zhuri, em entrevista à agência de notícias Reuters. Quem não conhece os métodos dos terroristas (e até pessoas que estão cansadas de saber como eles agem, mas, por conveniências ideológicas, insistem em ignorar as barbaridades que praticam) seria capaz de afirmar que o terrorista Zhuri fala em nome das vítimas dessa guerra — e não do bando celerado que, de forma traiçoeira, praticou a agressão covarde que deu início ao conflito. A libertação dos reféns feita ontem foi mais um novo espetáculo de covardia — com os reféns sendo obrigados a marchar em meio a uma multidão ensandecida sob a ameaça de “combatentes” que não tem coragem sequer de mostrar a cara para o mundo. A questão é saber até onde irá a paciência de Trump e do governo israelense para esse tipo de espetáculo. O que vai acontecer? Ainda é cedo para qualquer afirmação nesse sentido. Mas, uma coisa é certa: com Trump, a solução parece mais próxima do que jamais esteve nos últimos anos. A solução que virá pode não ser a esperada pelos que, em nome do pretenso apoio à causa palestina, estão interessados em manter o Estado de Israel sob tensão permanente, tendo à sua porta um inimigo que não esconde a intenção de aniquilá-lo e varrer o povo judeu da face da terra. Mas, de qualquer forma, será uma solução que poupará vidas dos dois lados e, se for levada adiante sem os boicotes ideológicos de quem está disposto a ver o circo pegar fogo, dará ao povo palestino — livre da ameaça permanente dos terroristas que o utilizam como escudos — condições de conforto e segurança que nunca teve, além da esperança de um futuro que jamais existiu. É esperar para ver.
BARBARIDADE SEM LIMITES
As cenas do assassinato a sangue frio do ciclista Vitor Medrado — ou Vitão, como era chamado pelos amigos —, na quinta-feira passada, em São Paulo, é mais uma prova de que a liberdade de movimentos dos bandidos que mantém a sociedade brasileira como refém precisa ser contida pelo Estado. Basta! Já passou da hora (para usar a expressão da moda) dos “especialistas em segurança” deixarem de lado a lenga-lenga com que procuram explicar a escalada da violência nas grandes cidades. É preciso uma ação imediata que coíba esse tipo de crime e adote contra os criminosos ações enérgicas por parte da polícia, do ministério público e do Judiciário.
Vitor morreu porque os bandidos quiseram que ele morresse. Parado numa calçada próxima do Parque do Povo, em São Paulo, ele consultava seu telefone celular — certamente acertando com seus alunos detalhes da aula de ciclismo prevista para aquela manhã. Uma moto se aproximou e, sem mais nem menos, o criminoso que estava na garupa puxou da arma e o alvejou no pescoço. Não houve, pelo que se vê nas imagens, qualquer tentativa de roubar o aparelho por outros meios. O criminoso começou a ação alvejando a vítima no pescoço. E só depois apanhou o seu butim.
A suspeita que circulou na semana passada é a de que a morte faz parte de uma estratégia do crime organizado de provocar uma comoção geral e pressionar as autoridades paulistas a afrouxar o cerco que vem apertando contra a bandidagem desde o início do atual governo. Pode ser. O certo, porém, é que o melhor a fazer neste momento não é afrouxar, mas apertar ainda mais o torniquete em torno dos pescoços das quadrilhas. E que a Justiça, finalmente compreenda que a estratégia de soltar bandidos a torto e a direito não é a melhor maneira de levar segurança à população.
O corpo de Vitão foi sepultado ontem em Belo Horizonte. Quem será a próxima vítima?