
Equipe da TV Globo buscou família para mostrar desde as tentativas frustradas de exumação pela concessionária responsável pelo cemitério até o momento em que os restos mortais de um herói da vida real foram encontrados graças a um herói de brinquedo. Milton Maria de Andrade e a mulher, Ivone
Arquivo pessoal
A saga para contar a história da família em busca da ossada desaparecida de um bombeiro no Cemitério da Vila Formosa, o maior da cidade de São Paulo, foi longa. Envolveu tentativas de aproximação da equipe de reportagem da TV Globo com a família, entrevistas e conversas com parentes e amigos, gravações com celular e visita ao cemitério.
Tudo para mostrar desde as tentativas frustradas de exumação pela concessionária responsável pelo local até o surpreendente momento em que os restos mortais de um herói da vida real foram encontrados graças a um herói de brinquedo.
Quem era o bombeiro?
Milton Maria de Andrade
Arquivo pessoal
Milton Maria de Andrade, sargento aposentado do Corpo de Bombeiros, morreu aos 82 anos após uma parada cardíaca em 2018. Conhecido por seu amor pelo trabalho e pela dedicação à vida dos outros, ele deixou oito filhos e uma história marcada por coragem.
As filhas contaram que Milton, que também trabalhou na Polícia Militar e na Rota, era uma pessoa apaixonada pelo que fazia.
“Ele prezava muito a vida dos outros e da família. Criou oito filhos com salário de soldado”, disse Ivanir, uma das filhas. Ela relembrou que Milton chegou a se ferir durante um salvamento em um incêndio no Tatuapé, na Zona Leste. E que a pessoa salva pelo sargento fez, algum tempo depois, uma homenagem para ele: uma estátua que até hoje está guardada pela família.
O desaparecimento dos restos mortais
Cerca de três anos após a morte, a família tentou exumar o corpo de Milton para liberar espaço no jazigo e transferi-lo para um ossuário. No entanto, o procedimento não foi possível na época, pois o corpo ainda não apresentava condições de remoção. No início deste ano, uma nova tentativa foi feita, mas o susto veio: ao abrir a sepultura, os familiares encontraram, no lugar, o corpo de uma mulher.
O caso chega à TV Globo
A história chamou a atenção da produção do jornalismo da TV Globo em março. Inicialmente receosos, os parentes de Milton só aceitaram falar após a autorização da escola em que uma das filhas trabalha como agente escolar. A entrevista foi marcada para uma sexta-feira, em frente ao quartel do Corpo de Bombeiros na Penha, Zona Leste, onde ele havia trabalhado. A chuva adiou um pouco os planos. Mesmo assim, a filha Ivanir, a mãe, Ivone, uma cunhada e uma sobrinha foram ao encontro da equipe e estavam indignadas com a situação.
Quando a chuva passou, a equipe da TV Globo colocou a câmera do lado de fora do quartel, para dar início à gravação. Um bombeiro, porém, veio pedir para que a gravação não ocorresse ali. O repórter tentou contornar explicando que o pedido dele não poderia ser atendido, já que a história de Milton se confundia com aquele quartel. E o oficial compreendeu.
A intenção era gravar com mais de uma pessoa, mas Ivanir tinha tanta necessidade de externar o que estava sentindo que a entrevista dela foi o suficiente. “Estamos passando por um novo enterro e agora sem o corpo dele”, disse ela.
“A gente precisava fazer a exumação do meu irmão também. A minha mãe, que tem mais de 80 anos, chegou a passar mal quando viu que o meu pai não estava na sepultura”, contou Ivanir.
O drama da busca
Família registra boletim de ocorrência após corpo desaparecer em cemitério da Zona Leste de SP
Reprodução/TV Globo
Após a primeira tentativa frustrada, uma nova exumação foi marcada para o sábado seguinte à entrevista feita pela TV Globo. A família, que pagou R$ 700 pelo procedimento, acompanhou tudo com esperança, mas, mais uma vez, o corpo não foi localizado.
Como a equipe da Globo não poderia acompanhar a segunda tentativa de exumação, dada a quantidade de seguranças no cemitério, os parentes foram orientados a gravar com os celulares tudo o que seria feito e encaminhar para a TV.
A equipe tinha a esperança de que tudo fosse resolvido na segunda tentativa de busca pelos restos mortais. No entanto, no sábado mesmo, à noite, Ivanir mandou uma mensagem informando: “Novamente, eles não encontraram. Um agente funerário chegou até a passar mal de tanto cavar”.
Alguns dias depois, a equipe de jornalismo foi ao cemitério da Vila Formosa. Usando apenas o celular, entrou e foi procurar onde Milton poderia estar enterrado: quadra 41, terreno 119. Tarefa quase impossível de conseguir sem a ajuda de um funcionário, dada a extensão do local: são 763.175 metros quadrados de altos e baixos.
Enquanto andavam olhando as placas malconservadas do cemitério, um funcionário passou num carrinho e ofereceu carona em um carrinho parecido com os que circulam em sets de filmagem até o endereço. Ele contou que muitos corpos enterrados durante a pandemia permanecem preservados por mais tempo do que o tradicional devido ao modo como foram sepultados.
“Como eles foram enterrados em sacos plásticos, não atingiram o estado de decomposição exigido para levar para o ossário”, disse o funcionário.
Isso ocorre porque São Paulo adota o prazo para a transferência dos restos mortais para ossuários estabelecido pela legislação federal, de três anos. “Se a pessoa morreu de câncer, o corpo recebeu muita medicação e por isso ainda não está em decomposição”, disse o funcionário.
E, quando isso acontece, o corpo deve ficar no mesmo local, e a família paga novamente uma taxa de sepultamento para a empresa que administra o cemitério. E uma nova tentativa de retirada será feita mais adiante.
Depois de andar um pouco no carrinho do cemitério, chegaram à área em que o sargento Milton poderia estar enterrado e gravaram com o celular.
A reportagem foi ao ar. No entanto, o corpo do bombeiro continuava desaparecido. A situação era tão desesperadora que até um boletim de ocorrência por ocultação de cadáver chegou a ser feito pela família.
Família paga por exumação, mas não localiza corpo no cemitério da Zona Leste da capital
A descoberta e o alívio
Boneco enterrado com corpo de bombeiro ajudou família a encontrar ossada desaparecida em SP
Arquivo pessoal
Após várias tentativas frustradas, finalmente o corpo de Milton foi localizado. A confirmação veio após uma busca detalhada no cemitério. “A sensação é de um certo alívio. Mas hoje foi muito tenso. Eu e a minha irmã passamos mal. Foi feita uma reunião antes, e o nome do meu pai não consta nos livros. Em nenhum registro. Informações desencontradas. Estava numa sepultura abandonada”, disse Ivanir.
A filha contou que, ao perceberem que o corpo de Milton tinha finalmente sido localizado, uma mistura de emoções tomou conta. “Foi um alívio, mas também uma sensação de tristeza. Meu pai, que trabalhou a vida inteira pelos outros, estava desaparecido, sem reconhecimento. Ainda assim, estamos felizes por termos encontrado”, afirmou.
A família planejava pedir exame de DNA para garantir que os restos mortais eram mesmo os de Milton, mas isso não foi necessário. Quando o bombeiro morreu, o neto Kauã colocou no caixão do avô um boneco de plástico de um personagem dos quadrinhos, o Homem de Ferro. A ação, que parecia simples, ganhou um significado especial quando o boneco foi encontrado durante a exumação: “Ele colocou o brinquedo para fazer companhia ao avô, como um símbolo de que, mesmo na morte, a esperança e o amor permanecem vivos”, avaliou Ivanir.