
Na tarde da última segunda-feira (7), moradores da Vila da Barca, uma das maiores comunidades sobre palafitas da América Latina, surpreenderam o diretor de operações da Cosanpa (Companhia de Saneamento do Pará), Antônio Crisóstomo, com um desafio inesperado: beber a mesma água quesai das torneiras da comunidade.
A proposta surgiu logo após o diretor afirmar, diante de representantes do governo e da população, que a água distribuída pela companhia seguia os padrões de qualidade exigidos pela Anvisa e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
“Eu mesmo bebo a água da Cosanpa”, garantiu Crisóstomo, tentando acalmar os ânimos. Mas as palavras não foram suficientes.
Duas moradoras se adiantaram. Com uma garrafa PET em mãos, cheia de uma água amarelada e turva retirada diretamente da torneira local, caminharam até o representante da companhia e o convidaram a experimentar. O gesto provocou um momento de tensão. Em meio a gritos da plateia, Crisóstomo recusou.
O episódio marcou o ponto alto da audiência — uma reunião que já começara carregada de insatisfação. Há anos, os moradores denunciam problemas no abastecimento, na qualidade da água e na falta de saneamento básico.
As queixas incluem cheiro forte, gosto ruim e a aparência barrenta do que deveria ser potável. Segundo os relatos, a situação teria piorado com o avanço das obras da Nova Doca, projeto urbanístico do governo estadual ligado à preparação da cidade para sediar a COP 30, em novembro deste ano.
A recusa do diretor em beber a água, considerada por muitos um gesto simbólico, ampliou o clima de desconfiança. Para a comunidade, ficou evidente o contraste entre os relatórios oficiais e a realidade enfrentada diariamente.
Pressão da população
A audiência pública foi resultado de pressões de lideranças locais e movimentos sociais, que vêm cobrando maior transparência nas ações do poder público, sobretudo diante das intervenções urbanas planejadas para a conferência climática.
O Portal iG procurou a Cosanpa, que enviou a seguinte nota:
“A Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) informa que o sistema de abastecimento de água para a área ordenada do conjunto habitacional da Vila da Barca está funcionando normalmente. Conforme acordado em reunião com os moradores, o abastecimento de água na área de palafitas será reforçado após a devida intervenção na estrutura do local.
A Companhia esclarece que, devido ao alto volume de chuva em Belém, houve uma sobrecarga nos filtros da Estação de Tratamento Bolonha, ocasionando a alteração na coloração e transparência da água. Equipes técnicas realizam a limpeza dos equipamentos para estabilização do sistema, o que acontecerá gradualmente. Os demais parâmetros de potabilidade estão de acordo com os índices estabelecidos pelos órgãos de vigilância.
A Cosanpa ressalta que vem atuando, de forma integrada, com todos os órgãos que executam obras de infraestrutura e saneamento em Belém, para minimizar danos na rede de abastecimento de água e aos moradores”.
Enquanto os preparativos da COP avançam, os moradores da Vila da Barca continuam a conviver com problemas estruturais antigos. E agora, com uma nova cena gravada na memória coletiva: um copo d’água que ninguém quis beber.