
Uma recente onda de desastres aéreos deixou algumas pessoas preocupadas em voar — mas os acidentes estão, de fato, aumentando? Em janeiro, avião comercial colidiu com um helicóptero militar, em Arlington, Virgínia, nos EUA
JIM LO SCALZO/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Após uma série de desastres recentes na aviação, usuários de redes sociais sugeriram que os acidentes aéreos estão mais frequentes.
Vídeos de arrepiar os cabelos, que mostram acidentes evitados por pouco, começaram a virar tendência na internet. E o secretário americano do Transporte, Sean Duffy, procurou acalmar os temores, em entrevista à CBS News, emissora parceira da BBC nos Estados Unidos.
Ele declarou aos espectadores que a série recente de desastres aéreos no país foi um evento “muito específico”.
Duffy interveio depois de diversos incidentes aéreos sérios. Eles incluíram uma colisão em pleno voo entre um avião comercial e um helicóptero militar, na capital americana, Washington DC, no fim de janeiro. Naquele acidente, 67 pessoas morreram.
Imagens de um avião que capotou ao pousar em Toronto, no Canadá, devido ao mau tempo, também foram largamente compartilhadas online, o que ajudou a alimentar os alertas.
No Brasil, um avião de pequeno porte caiu no centro de Gramado (RS), na manhã de 22 de dezembro de 2024, e matou 10 pessoas.
No início de janeiro, uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas, quando um avião de pequeno porte tentava pousar em Ubatuba, no litoral de São Paulo.
Na manhã de 7 de fevereiro, outra aeronave de pequeno porte caiu no bairro da Barra Funda, na capital paulista. As duas pessoas a bordo do avião morreram no acidente.
Acidentes aéreos e mortes no Brasil cresceram nos últimos anos; veja números da FAB
Como aeroportos no Brasil atuam para evitar colisões entre aviões e aves
As pesquisas sobre o assunto são limitadas, mas uma enquete recente da agência de notícias Associated Press indicou que as imagens chocantes de acidentes trouxeram algum prejuízo para a confiança na aviação de certos consumidores americanos.
A BBC Verify — o serviço de checagem de fatos da BBC — analisou dados dos Estados Unidos e de outros países e concluiu que, ao longo das últimas duas décadas, a tendência geral foi de queda do número de acidentes aéreos.
Nos Estados Unidos, o Conselho Nacional de Segurança no Transporte (NTSB, na sigla em inglês) compilou os dados sobre acidentes aéreos até o final de janeiro deste ano.
Os dados do NTSB demonstram uma redução geral dos acidentes aéreos nos Estados Unidos entre 2005 e 2024, apesar do aumento significativo do número geral de voos neste período. Eles também mostram que a quantidade de acidentes em janeiro de 2025 (52) foi inferior a janeiro do ano passado (58) e janeiro de 2023 (70).
Dados da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO, na sigla em inglês) — órgão das Nações Unidas que monitora os incidentes aéreos globais — demonstram que o número de acidentes por milhão de decolagens em todo o mundo também sofreu clara tendência de queda entre 2005 e 2023.
A definição de acidente aéreo da ICAO é bem ampla. Ela não inclui apenas os eventos que causam a morte ou ferimentos sérios entre os passageiros ou a tripulação.
A organização também inclui incidentes em que uma aeronave é danificada, precisa de reparos ou simplesmente desaparece.
Os dados sobre o número de mortes em acidentes aéreos em todo o mundo também demonstram que houve redução ao longo do mesmo período.
Os picos em alguns anos são consequência de grandes desastres aéreos. Em 2014, dois eventos colaboraram para que houvesse um pico significativo.
Em março, o voo MH370 da Malaysia Airlines desapareceu durante uma viagem de Kuala Lumpur, na Malásia, para Pequim, na China. Havia 239 pessoas a bordo.
E, em julho, um míssil de fabricação russa derrubou outro avião da mesma empresa (que fazia o voo MH17, de Amsterdã, na Holanda, para Kuala Lumpur) enquanto voava sobre o leste da Ucrânia, o que vitimou quase 300 pessoas.
Dados como estes costumam apresentar grandes flutuações súbitas, segundo declarou à BBC o professor emérito de estatística David Spiegelhalter, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
“Se você contar as mortes em vez dos acidentes, a tendência é que [os dados] sejam extremamente voláteis e sensíveis a um único acidente de grande porte”, explica ele.
“Eventos aleatórios não ocorrem de forma regular — eles tendem a se agrupar. Por isso, infelizmente podemos esperar acidentes aéreos que parecem ser conectados, mesmo que não sejam.”
Em relação à série de acidentes importantes nos últimos meses, o ex-investigador-chefe de desastres aéreos da Finlândia, Ismo Aaltonen, declarou à BBC que não se trata de uma indicação de queda da segurança das aeronaves.
“É uma grande infelicidade termos observado este período com vários tipos distintos de acidentes”, afirmou ele. Mas as pessoas não devem tirar conclusões com base neles, pois são casos muito diferentes [entre si].”
Aaltonen observou que alguns dos incidentes dos últimos meses eram imprevisíveis.
Ele menciona o caso de um avião da Azerbaijan Airlines que caiu no Cazaquistão em dezembro. Ele foi atingido por um míssil antiaéreo da Rússia.
O ex-piloto Marco Chan é professor sênior da Nova Universidade de Buckinghamshire, no Reino Unido. Para ele, o aumento da consciência sobre os desastres aéreos também é impulsionado porque “os acidentes recebem cada vez mais exposição nas plataformas de redes sociais”.
Um vídeo que circula no TikTok, retirado de um filme do Super-Homem, mostra o herói evitando que um jato atinja um estádio esportivo. A legenda que acompanha o clipe diz: “Pete Buttigieg, todos os dias nos últimos quatro anos, a julgar pelos eventos atuais.”
O clipe viralizou e sugere que os desastres aéreos teriam aumentado depois que o ex-secretário de Transportes dos Estados Unidos deixou o cargo, em janeiro.
Uma série de incidentes ocorridos nos últimos anos, que envolveram o avião Boeing 737 Max, também atraiu muita atenção na imprensa e nas redes sociais, especialmente depois que uma porta explodiu em pleno voo, em janeiro de 2024.
As preocupações geradas por este e vários outros incidentes levaram alguns clientes a boicotar os aviões fabricados pela Boeing e a um consequente colapso do preço das ações da empresa.
Na manhã de 7 de fevereiro, uma aeronave de pequeno porte caiu no bairro da Barra Funda, na capital paulista; duas pessoas a bordo do avião morreram.
REUTERS/Tuane Fernandes
Especialistas declararam à BBC Verify que incidentes como estes e os grandes desastres aéreos são minuciosamente investigados pelas autoridades.
E novos dados e detalhes sobre os acidentes são incluídos nos simuladores de treinamento dos pilotos, para que eles possam se preparar para cenários similares no futuro.
“Se você observar os simuladores hoje em dia, como eles são avançados, eles são como as aeronaves de verdade”, avalia Ismo Aaltonen.
“É completamente diferente de quando comecei a voar, mais de 40 anos atrás.”
Os órgãos reguladores também podem impor penalidades por violações de segurança, que incluem multas, suspensões de licenças e restrições operacionais.
As linhas aéreas também podem ser banidas de blocos e países, se não adotarem padrões de segurança.
Apesar do recente pico de incidentes, a aviação continua a ser, de longe, a forma mais segura de viajar.
De todas as mortes relacionadas ao transporte nos Estados Unidos em 2022, mais de 95% ocorreram nas estradas, segundo os números mais recentes do Departamento de Transporte do país.
Menos de 1% estava relacionado ao tráfego aéreo.
A segurança comparativa das viagens aéreas é ainda mais clara se observarmos os números em termos de mortes por distância percorrida.
Em 2022, houve apenas 0,001 mortes de passageiro por 100 milhões de milhas (cerca de 161 milhões de km) voadas, em comparação com 0,54 em veículos de passageiros, segundo os números mais recentes do Conselho Nacional de Segurança, uma organização sem fins lucrativos dos EUA.
“Tenha cuidado no seu trajeto até o aeroporto”, orienta Aaltonen. “Esta é a parte mais perigosa da viagem, em comparação com o voo em si”, conclui ele.