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Caro (a) leitor (a),
Você já sentiu aquela preguiça que não tem a ver com cansaço, mas sim com uma espécie de exaustão seletiva? Aquela falta de vontade que brota quando você percebe que a conversa não vai a lugar nenhum, que a festa não tem nem um sofá para sentar ou que a próxima decisão envolve lidar com gente chata? Pois bem, se a preguiça fosse um pecado, acredito que estaria condenada.
Mas e se, na verdade, a preguiça fosse uma virtude disfarçada? Porque, convenhamos, ela tem me poupado de muita coisa. A preguiça de discutir evita brigas desnecessárias. A preguiça de se envolver em fofoca te protege do desgaste mental. A preguiça de sair de casa para programas que não fazem sentido impede arrependimentos. Se a vida fosse um filme de terror psicológico, como no filme Se7en, acredito que sobreviveria.
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A preguiça pode ser a chave de todo progresso. – Foto: Getty Images/ND
No icônico Se7en, com Brad Pitt, o serial killer John Doe escolhia suas vítimas baseando-se nos sete pecados capitais. Cada morte era um aviso brutal sobre os desvios morais da humanidade. E quando chegou a vez da preguiça, a cena foi impactante, vale a pena assistir. Mas a verdade é que o conceito de preguiça é muito mais subjetivo do que esse retrato grotesco. Na natureza, por exemplo, ela não é um problema: é sobrevivência. Animais economizam energia para quando realmente precisam dela.
E nós? A neuropsicóloga Tammy Marchiori explica que a preguiça ocasional é normal. “Todos temos dias de falta temporária de motivação ou energia, geralmente por cansaço, estresse ou simples necessidade de descanso”. Ou seja, não é pecado, é um mecanismo de defesa.
A preguiça é também um conceito valorizado na arte e na criatividade. Salvador Dalí dizia: “A preguiça é a chave de todo progresso”. Mas claro, ele não se referia à inércia, e sim à importância do ócio criativo.
Dalí acreditava que momentos de aparente inatividade eram essenciais para que o subconsciente fizesse seu trabalho, permitindo que ideias geniais surgissem. Uma de suas técnicas mais famosas era o “método da chave”, que ele usava para acessar o mundo dos sonhos e do surrealismo. Ele segurava uma chave entre os dedos enquanto cochilava em uma cadeira, e assim que adormecia profundamente, a chave caía no chão e o despertava. Esse som o permitia capturar imagens do subconsciente antes que se apagassem da memória.
Dalí não via a preguiça como algo negativo, mas como um estado essencial para estimular a criatividade. Para ele, desacelerar e permitir que a mente vagasse era tão importante quanto a técnica e o trabalho duro.
A preguiça pode ser um filtro poderoso. Se você tem preguiça de algo ou de alguém, talvez seja porque essa coisa, ou pessoa, não agregue, não valha a pena. Se você tem preguiça de um lugar, talvez seja porque já superou essa fase.
Então, da próxima vez que te chamarem para um compromisso que não faz sentido, para uma discussão vazia ou para qualquer situação que te faça questionar se realmente vale a pena, lembre-se de que “a preguiça pode ser o melhor dos sete pecados capitais, ela te impede de cometer os outros seis”. Permita-se vez ou outra ter como resposta: ai, que preguiça!