Medicina paliativa oferece dignidade e bem-estar a pacientes sem perspectiva de cura. Trabalho pioneiro da Unicamp fez 350 atendimentos em 2024. O zelo pela vida não acaba quando um laudo médico conclui que não há mais o que ser feito. É isso que defende a medicina de cuidados paliativos, uma abordagem que se propõe a oferecer conforto, dignidade e qualidade de vida aos pacientes sem perspectiva de cura.
Em 2024, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Cuidados Paliativos a pessoas que enfrentam doenças graves ou crônicas. No entanto, seis anos antes, o Hospital das Clínicas da Unicamp já realizava esse trabalho pioneiro que vai além do cuidado médico.
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Desde 2019, esse tipo de assistência vem crescendo e chegou a 350 atendidos no ano passado. Muito além dos números, a unidade também soma histórias de quem viu na medicina paliativa um jeito respeitoso e memorável de se despedir da própria existência.
Na reportagem especial Cuidados Paliativos, exibida nesta sexta-feira (14), o EPTV1 explica a importância dessa assistência e como ela é essencial para pacientes, familiares e amigos (assista ao vídeo acima).
👉 À seguir, veja as histórias da mãe que precisou aceitar os cuidados paliativos do filho bebê, assistente social que virou paciente e o homem que realizou o último desejo ao voltar para sua terra natal com o apoio de um projeto on-line.
O que é o cuidado paliativo
O cuidado paliativo é uma abordagem da medicina que busca oferecer assistência aos pacientes que tenham uma doença que ameaça a continuidade da vida. O objetivo é estabelecer bem-estar e conforto, não apenas para quem vive o diagnóstico, mas também para a família e quem vive ao redor, como explica a médica Cristina Terzi, coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da Unicamp.
“Enquanto está fazendo cirurgia, quimioterapia, radioterapia, procedimentos, os cuidados paliativos já podem estar atuando. Então, a gente vai dar esse apoio físico, social, espiritual, psicológico, entender o paciente como um paciente e não como uma doença”. Cristina é uma das responsáveis por levar esse conceito ao Hospital da Unicamp a partir de 2018. Um trabalho pioneiro no Brasil.
Embora o cuidado paliativo esteja presente nas faculdades de medicina, a especialista pontua que ainda há poucos locais que ofereçam essa forma complexa de atendimento. Para ela, ainda é preciso que as gestões e a sociedade entendam que a abordagem faz parte do respeito à saúde.
Manta que cobre nas intempéries
“O paliativo vem de um outro nome que é o palium. Palium eram aquelas mantas que cobriam os peregrinos nas intempéries. Então, o que é? Proteger, acolher, ajudar. O que a gente faz é cuidar, cuidar em todas as dimensões do ser humano. É um benefício muito grande não só para o paciente, mas para a família também, porque todo mundo que tem alguém doente em casa, você sabe, a família sofre também”.
A médica lembra que, por muito tempo, o cuidado paliativo remetia ao conceito de não fazer mais nada. Era como se desitissem da vida, abandonassem a chance de sobrevivência. “Hoje o conceito dos cuidados paliativos é a gente dar uma camada extra de conforto. É a gente acolher e cuidar todas as pessoas que têm uma doença grave nessa dura de vida”.
‘O paliativo veio como um descanso’
“Eu nunca vi uma criança tão forte e tão disposto, querendo sobreviver”. É com essa memória que Lia Villaça de Assunção relembra do filho Asaff, que nasceu há três anos. Foram meses de uma luta que começou logo no primeiro dia de vida, quando teve uma parada cardíaca.
O bebê era pequenininho, cabia na palma da mão. Tinha 27 centímetros e pouco mais de meio quilo. “Todo dia era uma intercorrência com ele. Uma parada cardíaca e o médico falando : ‘Lia, talvez de hoje ele não passa'”, conta com os olhos marejados.
Lia se tornou uma mãe de UTI que, como ela mesma diz, “vive e morre todos os dias”. Foram dias longos até receber a notícia que nenhuma mãe deveria ouvir: seu filho estava no limite e não havia mais chances de sobrevivência. Em meio à dor, ela descobriu uma nova forma de conforto na medicina de cuidados paliativos.
“O paliativo chegou na minha vida, na vida do Asaff, como um descanso para ele. Porque, antes de eu aceitar, eu falei assim: ‘doutor, tem como meu filho sobreviver ainda? Tem como vocês fazerem alguma coisa?’. Ele falou: ‘não, não tem mais como, o Asaff chegou no limite dele’. Eu falei: ‘então tá bom, então eu vou aceitar o paliativo para ele’.
“O cuidado deles, que eles tiveram comigo, com a minha família, foi tão especial que eles tiveram esse cuidado de explicar para as pessoas, que me fez aceitar. E seria egoísmo meu eu insistir em deixar meu filho sofrer na situação que estava.”
Cuidado além do leito
Se engana quem pensa que o atendimento paliativo se resume aos remédios e exames. Ele está no bolo de café da manhã levado ao leito, no sorriso de um profissional de saúde e até na sopa que os vizinhos levam à porta após a alta. Está no cuidado em sua essência, do físico ao espiritual.
A assistente social Adriana Renata Ferrari Gasparoni viveu isso na práica. Ela descobriu um câncer de mama em 2022 e diz que teve sorte. O marido não saiu de perto. A vizinha da direita levava sopa, enquanto a da frente fazia o almoço e o suco. “Eu tive todo esse cuidado”.
“O acolhimento das pessoas quando recebem alta, que vão para casa, muitas vezes o que eles vão precisar também é um apoio, o que? Dos seus vizinhos, apoio da sua família, apoio de voluntários. E você pode, de diversas formas, você pode ajudar, tanto com a parte financeira, doações, ou até com o seu tempo”, diz a médica Cristina.
Dentro da unidade hospitalar, não pode ser diferente. “A gente cria muita amizade, carinho. A enfermagem fala assim: ‘tem um bolinho lá no arário para a gente pôr e cantar parabéns?’. E entra com um bolinho cantando. Tira foto, eles [pacientes] choram, a gente chora junto. Mostra que a gente se preocupa com o paciente”, comenta a copeira Geane Janete Pimenta da Silva.
Adriana, aliás, conheceu os dois lados dessa relação. Ela trabalhava na UTI da Unicamp quando virou paciente e diz que a luta contra o câncer foi acompanhada de aprendizado. “Hoje, quando eu converso com alguém que está vivendo ou passando por esse processo, eu consigo fazer com que ele entenda e com que seja uma passagem branda e dizer é possível”.
Realizar o último sonho também é cuidar
Realizar o último sonho de alguém também é uma forma de cuidar. Foi o que aconteceu com o seu Hugo Barbosa. Natural de Recife (PE), ele na região de Campinas quando sofreu um acidente. No hospital, descobriu um câncer no intestino. Passou por várias cirurgias, mas não deixou mais a internação.
“Faz um ano que ele começou esse sofrimento todo. Ele ama Recife, é de lá que ele veio. Já que não há cura pro caso dele, o sonho dele é voltar para a casa dele, para a terra dele”, conta o irmão Lúcio. Levar o paciente até Recife virou uma missão para a equipe de cuidados paliativos.
Primeiro, levaram o idoso até uma padaria, onde reviu un amigo. Os profissionais perceberam que ele poderia deixar a unidade. Depois, buscaram um transporte aeromédico, mas não deu certo. A solução foi colocar Hugo em um voo comercial. A família também conseguiu uma vaga em um hospital para recebê-lo em Pernambuco. Neste começo de ano, veio o embarque.
Tudo isso foi possível graças ao projeto Wishes, que realiza os desejos de pacientes paliativos da Unicamp. Os voluntários dependem da contribuição da população para tornar esses sonhos reais. Qualquer pessoa pode contribuir fazendo uma doação via PIX. Veja como contribuir acessando o site.
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Em 2024, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Cuidados Paliativos a pessoas que enfrentam doenças graves ou crônicas. No entanto, seis anos antes, o Hospital das Clínicas da Unicamp já realizava esse trabalho pioneiro que vai além do cuidado médico.
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Desde 2019, esse tipo de assistência vem crescendo e chegou a 350 atendidos no ano passado. Muito além dos números, a unidade também soma histórias de quem viu na medicina paliativa um jeito respeitoso e memorável de se despedir da própria existência.
Na reportagem especial Cuidados Paliativos, exibida nesta sexta-feira (14), o EPTV1 explica a importância dessa assistência e como ela é essencial para pacientes, familiares e amigos (assista ao vídeo acima).
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O que é o cuidado paliativo
O cuidado paliativo é uma abordagem da medicina que busca oferecer assistência aos pacientes que tenham uma doença que ameaça a continuidade da vida. O objetivo é estabelecer bem-estar e conforto, não apenas para quem vive o diagnóstico, mas também para a família e quem vive ao redor, como explica a médica Cristina Terzi, coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da Unicamp.
“Enquanto está fazendo cirurgia, quimioterapia, radioterapia, procedimentos, os cuidados paliativos já podem estar atuando. Então, a gente vai dar esse apoio físico, social, espiritual, psicológico, entender o paciente como um paciente e não como uma doença”. Cristina é uma das responsáveis por levar esse conceito ao Hospital da Unicamp a partir de 2018. Um trabalho pioneiro no Brasil.
Embora o cuidado paliativo esteja presente nas faculdades de medicina, a especialista pontua que ainda há poucos locais que ofereçam essa forma complexa de atendimento. Para ela, ainda é preciso que as gestões e a sociedade entendam que a abordagem faz parte do respeito à saúde.
Manta que cobre nas intempéries
“O paliativo vem de um outro nome que é o palium. Palium eram aquelas mantas que cobriam os peregrinos nas intempéries. Então, o que é? Proteger, acolher, ajudar. O que a gente faz é cuidar, cuidar em todas as dimensões do ser humano. É um benefício muito grande não só para o paciente, mas para a família também, porque todo mundo que tem alguém doente em casa, você sabe, a família sofre também”.
A médica lembra que, por muito tempo, o cuidado paliativo remetia ao conceito de não fazer mais nada. Era como se desitissem da vida, abandonassem a chance de sobrevivência. “Hoje o conceito dos cuidados paliativos é a gente dar uma camada extra de conforto. É a gente acolher e cuidar todas as pessoas que têm uma doença grave nessa dura de vida”.
‘O paliativo veio como um descanso’
“Eu nunca vi uma criança tão forte e tão disposto, querendo sobreviver”. É com essa memória que Lia Villaça de Assunção relembra do filho Asaff, que nasceu há três anos. Foram meses de uma luta que começou logo no primeiro dia de vida, quando teve uma parada cardíaca.
O bebê era pequenininho, cabia na palma da mão. Tinha 27 centímetros e pouco mais de meio quilo. “Todo dia era uma intercorrência com ele. Uma parada cardíaca e o médico falando : ‘Lia, talvez de hoje ele não passa'”, conta com os olhos marejados.
Lia se tornou uma mãe de UTI que, como ela mesma diz, “vive e morre todos os dias”. Foram dias longos até receber a notícia que nenhuma mãe deveria ouvir: seu filho estava no limite e não havia mais chances de sobrevivência. Em meio à dor, ela descobriu uma nova forma de conforto na medicina de cuidados paliativos.
“O paliativo chegou na minha vida, na vida do Asaff, como um descanso para ele. Porque, antes de eu aceitar, eu falei assim: ‘doutor, tem como meu filho sobreviver ainda? Tem como vocês fazerem alguma coisa?’. Ele falou: ‘não, não tem mais como, o Asaff chegou no limite dele’. Eu falei: ‘então tá bom, então eu vou aceitar o paliativo para ele’.
“O cuidado deles, que eles tiveram comigo, com a minha família, foi tão especial que eles tiveram esse cuidado de explicar para as pessoas, que me fez aceitar. E seria egoísmo meu eu insistir em deixar meu filho sofrer na situação que estava.”
Cuidado além do leito
Se engana quem pensa que o atendimento paliativo se resume aos remédios e exames. Ele está no bolo de café da manhã levado ao leito, no sorriso de um profissional de saúde e até na sopa que os vizinhos levam à porta após a alta. Está no cuidado em sua essência, do físico ao espiritual.
A assistente social Adriana Renata Ferrari Gasparoni viveu isso na práica. Ela descobriu um câncer de mama em 2022 e diz que teve sorte. O marido não saiu de perto. A vizinha da direita levava sopa, enquanto a da frente fazia o almoço e o suco. “Eu tive todo esse cuidado”.
“O acolhimento das pessoas quando recebem alta, que vão para casa, muitas vezes o que eles vão precisar também é um apoio, o que? Dos seus vizinhos, apoio da sua família, apoio de voluntários. E você pode, de diversas formas, você pode ajudar, tanto com a parte financeira, doações, ou até com o seu tempo”, diz a médica Cristina.
Dentro da unidade hospitalar, não pode ser diferente. “A gente cria muita amizade, carinho. A enfermagem fala assim: ‘tem um bolinho lá no arário para a gente pôr e cantar parabéns?’. E entra com um bolinho cantando. Tira foto, eles [pacientes] choram, a gente chora junto. Mostra que a gente se preocupa com o paciente”, comenta a copeira Geane Janete Pimenta da Silva.
Adriana, aliás, conheceu os dois lados dessa relação. Ela trabalhava na UTI da Unicamp quando virou paciente e diz que a luta contra o câncer foi acompanhada de aprendizado. “Hoje, quando eu converso com alguém que está vivendo ou passando por esse processo, eu consigo fazer com que ele entenda e com que seja uma passagem branda e dizer é possível”.
Realizar o último sonho também é cuidar
Realizar o último sonho de alguém também é uma forma de cuidar. Foi o que aconteceu com o seu Hugo Barbosa. Natural de Recife (PE), ele na região de Campinas quando sofreu um acidente. No hospital, descobriu um câncer no intestino. Passou por várias cirurgias, mas não deixou mais a internação.
“Faz um ano que ele começou esse sofrimento todo. Ele ama Recife, é de lá que ele veio. Já que não há cura pro caso dele, o sonho dele é voltar para a casa dele, para a terra dele”, conta o irmão Lúcio. Levar o paciente até Recife virou uma missão para a equipe de cuidados paliativos.
Primeiro, levaram o idoso até uma padaria, onde reviu un amigo. Os profissionais perceberam que ele poderia deixar a unidade. Depois, buscaram um transporte aeromédico, mas não deu certo. A solução foi colocar Hugo em um voo comercial. A família também conseguiu uma vaga em um hospital para recebê-lo em Pernambuco. Neste começo de ano, veio o embarque.
Tudo isso foi possível graças ao projeto Wishes, que realiza os desejos de pacientes paliativos da Unicamp. Os voluntários dependem da contribuição da população para tornar esses sonhos reais. Qualquer pessoa pode contribuir fazendo uma doação via PIX. Veja como contribuir acessando o site.
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