Dados obtidos pelo g1 mostram que 53% dos professores da metrópole em 2024 eram temporários. Para a Todos Pela Educação, índice deveria girar entorno de 20% a 30%. Número de professores temporários na rede estadual de Campinas ultrapassa concursados
Lousa com giz em sala de aula
Marcos Santos
As escolas estaduais de Campinas (SP) nunca tiveram tantos professores temporários como em 2024. Dados obtidos pelo g1 via Lei de Acesso à Informação mostram que, de 6.069 docentes, 53% atuavam sob esse tipo de contrato no ano passado.
Os números, enviados pelo governo estadual, são do Cadastro Funcional da Educação e apontam para um aumento na opção pela contratação temporária. Há dez anos, do total de professores nas escolas estaduais da cidade, apenas 23% eram temporários.
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Os dados também mostram que esse modelo predominou e passou à frente dos concursados, que atingiram o menor patamar.
Gerente de Políticas Educacionais da ONG Todos Pela Educação, Ivan Gontijo analisa que o ideal é que esse índice fique em torno de 20% a 30% e mais do que isso pode sinalizar uma precarização do sistema.
👩🏫 O professor temporário é importante, pois substitui docentes efetivos que precisam se afastar das atividades por questões de saúde, licença maternidade ou aposentadoria. O problema é que eles deveriam ser exceção, mas estão virando regra, segundo o especialista.
📈 Para entender o gráfico: os professores temporários são classificados como categoria O. Já os efetivos, contratados por meio de concurso, são categoria A. Há ainda as categorias F, N e P, que não fizeram concurso público, mas se tornara estáveis por diferentes medidas e legislações.
Em 2022, pela primeira vez, a metrópole teve mais professores temporários (categoria O) do que concursados (categoria A);
Já em 2023, os docentes da categoria O se tornaram maioria diante de todas as outras juntas (A, F, N e P): eram 3.199, enquanto efetivos e estáveis somavam 3.124;
No ano passado, a diferença se alargou ainda mais, passando para 2.851 efetivos e estáveis, contra 3.218 temporários;
Ao mesmo tempo, o número de concursados atuando em 2024 foi o menor da série histórica.
Exceção que virou regra
A legislação brasileira prevê que os professores da educação básica sejam efetivos, contratados por meio de concursos públicos. No entanto, Gontijo explica que há dispositivos legais para a contratação temporária desses profissionais.
A questão é que esse tipo de contrato tem se tornado mais frequente do que deveria. Um levantamento feito pelo g1 com dados do Censo da Educação Básica mostrou que desde 2022 o índice de temporários nos colégios estaduais do país é maior do que o de efetivos.
Na análise da Todos Pela Educação, o número de temporários nas redes estaduais não deveria passar de 30%, o que seria um índice razoável. No entanto, em São Paulo o contingente passa dos 51% e na metrópole é ainda maior.
“A contratação temporária é um mecanismo para garantir que os alunos estejam sempre sendo atendidos e tenham professores disponíveis. O que tem acontecido? As redes de ensino têm usado esse processo de contratação temporária, que deveria ser a exceção, como uma regra”, diz Ivan.
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Falta de planejamento e poucos concurso
Mas por que há tantos temporários? Para Ivan Gontijo, alguns fatores podem ser justificar a alta. O primeiro deles é a dificuldade das redes de preverem sua demanda o que, consequentemente, leva à falta de concursos públicos para a contratação.
👩🏫 Resumindo: sem mensurar quantos professores vão precisar nas próximas décadas, os estados não sabem quantas vagas poderiam ser oferecidas em um concurso e esses processos seletivos deixam de ser realizados.
O especialista cita o exemplo de São Paulo, onde os últimos concursos para contratação de professores ocorreram em 2023 e em 2013. Foram 10 anos de intervalo entre as contratações, o que fez com que o processo mais recente abrisse 15 mil vagas.
“É muita gente. E aí, o que acontece? Se você faz esses concursos que demoram muito, você tem que pegar um número muito grande de pessoas. Então, você não consegue pegar os melhores, porque você tá colocando 15 mil, tem muita gente pra dentro”.
“Imagina se São Paulo fizesse todo ano um concurso para mil professores. Aí você vai conseguindo pegar os melhores de cada geração, de certa forma”, analisa. Sem concurso, o jeito é abrir vagas para suprir a demanda com temporários.
Solange Pozzuto, coordenadora da subsede de Campinas do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), reforça que a falta de concursos preocupa a categoria e expõe um déficit. Para ela, diante do cenário atual, 15 mil vagas seriam insuficientes.
“Na rede estadual, hoje em dia, a maioria é temporário e eles têm uma contratação bem precária. O concurso, que deveria ser para 100 mil professores e professoras, o Estado abriu para 15 mil e nem chamou todo mundo”.
Contratação frágil e demissão ‘mais fácil’
Outro ponto é que a contratação de professores temporários tende a ser mais simples, pois, normalmente, não há uma análise complexa de suas capacidades e habilidades. “Os processos seletivos, basicamente, se baseiam, na entrega de documentação. São poucas as redes que fazem prova e testes. Então, esses professores são selecionados de forma pior”, detalha Ivan.
Para dar uma ideia, o representante da Todos Pela Educação explica que um dos critérios da seleção é a titulação. Professores com mestrado ou doutorado têm mais pontos. Também ficam na frente aqueles com mais experiência na rede, o que faz com que contratos temporários se perpetuem: quanto mais anos trabalhando dessa forma, maior a chance de conseguir uma dessas vagas.
Porém, da mesma forma frágil que entram, esses profissionais também podem ser demitidos. “Em São Paulo existe um problema ligado ao absenteísmo [faltas] dos docentes, mesmo entre professores efetivos, e isso tem a ver com o fato deles terem estabilidade. Muitos gestores falam que preferem o professor temporário, porque têm mais mobilidade, consegue demitir de forma mais fácil”.
“O temporário é CLT. Não tem a previdência do serviço público, não tem o fundo de garantia […]. Está sempre nessa instabilidade. Não sabe se vai pegar aula ou não, se vai ter aula atribuída. Muitos ficam sem aula e o que a gente reivindica é concurso público”, comenta Solange da Apeoesp.
Professores e alunos são prejudicados
Com poucas exigências para a admissão e um contrato menos rigoroso, o temporário acaba se tornando uma mão de obra barata. Eles não têm plano de carreira ou aumento salarial e acabam ganhando pouco em relação aos docentes concursados. “Então, todo ano, o temporário ganha a mesma coisa, lógico, com os reajustes, mas ele não vai evoluindo ao longo da carreira”.
“Um estudo que a gente fez aqui no Todos pela Educação mostra que, em média, os professores temporários atuam há 11 anos na rede de ensino. Então, na prática, eles não são temporários. Basicamente são professores precarizados incorporados no quadro efetivo da rede e que ganham menos, porque recebem um valor próximo ao início da carreira de um professor efetivo”.
A conselheira da Apeoesp de Campinas, destaca também que o cenário ainda afeta a atratividade da profissão para novos profissionais. “A rede estadual cumpre o piso salarial, mas com complementação. Porque, se for ver o salário-base dela, não chega no piso nacional. Aí ela faz uma complementação, mas é pouco”.
Infográfico foi elaborado após entrevistas com professores temporários de diferentes redes estaduais
Arte/g1
“Então ninguém mais está querendo ser professor. Isso impacta depois na escola, no seu trabalho na escola, porque você tá sempre naquela instabilidade, não sabe se vai continuar ou não. Se você fica doente, você não pode ficar faltando. É muito complicado”.
Na hora de se aposentar, o temporário também fica no prejuízo, destaca o especialista. Isto por que, enquanto o concursado se aposenta pela previdência estadual, o docente de categoria O recebe pelo regime geral de previdência do Governo Federal, como qualquer trabalhador. Isso significa que, a longo prazo, eles também custam menos para o estado.
E como ficam os estudantes no meio disso tudo? Juntos, esses elementos respingam nos alunos e na educação como um todo. De acordo com a ONG, há uma correlação entre os alunos que têm aulas com professores temporários e a piora no desempenho acadêmico. Isso se deve, principalmente, à rotatividade entre docentes, o que afeta a relação com alunos e a aplicação do conteúdo.
Contrato flexível, mas pouco valorizado
Essa é a realidade da professora Kelly Keiko, de Campinas. Temporária na rede estadual há pelo menos cinco anos consecutivos, ela vive um dilema. Por um lado a flexibilidade da categoria é um ponto positivo – pois permite que a docente atue em outros projetos –, mas, por outro, é justamente a falta de perspectiva que a faz se sentir desvalorizada e a impede de se conectar com os alunos.
“Se você pega a carga mínima, que são 21 horas dentro da sala de aula, você consegue sobreviver. Eu, particularmente, prefiro o temporário por causa da flexibilidade de ter aulas em outra escola e também continuar dando aula na pública”, comenta. “Mas qual é o problema do sucateamento? Além de não ter a estabilidade, a gente não consegue manter vínculo dentro da escola. É muito ruim”.
“[O professor] cria vínculo com alunos, com a gestão. A gente consegue fazer projetos mais longos, que demoram mais anos. Então, quando você é temporário, você pode estar um ano nessa escola e não conseguir voltar no ano seguinte. E isso também é ruim para a gestão, porque a gestão monta a equipe que consegue falar a mesma linguagem, que consegue fazer esse planejamento”.
E ela reconhece que, embora o trabalho em múltiplas escolas favoreça financeiramente, compensando a falta de reajuste salarial, por exemplo, a rotina acaba ficando pesada. “Existe a exaustão, que daí piora porque você tem que pegar mais de uma escola. Então você tem que se desdobrar em transporte público ou carro, se tiver a sorte de ter carro”.
O que é preciso para contornar o cenário
O especialista da Todos Pela Educação defende que o planejamento da rede e valorização profissional são as principais formas de contornar o cenário. Dessa forma, o objetivo não é apenas diminuir o número de temporários, mas dar a eles a chance de integrar a grande e ter mais estabilidade.
“E aqui assim, a gente sempre fala isso no estudo também, não se trata de culpabilizar os professores temporários, mas sim de trazer que as condições às quais eles são submetidos de ingresso, de carreira, são piores”.
Veja ponto a ponto:
Ter modelos melhores de previsão de demanda de professores: “às vezes, as redes deixam de fazer concurso porque elas não têm a menor ideia de quantos professores vão precisar, então, investir nessa projeção é o primeiro passo”.
Realizar mais concursos públicos: “concursos muito grandes acabam sendo provões. Não conseguem fazer, por exemplo, uma prova de aula prática. [É preciso] fazer concursos com mais frequência, processos mais criteriosos”.
Reestruturar a carreira do temporário: “criar uma lógica de carreira. Se o cara é professor temporário há cinco anos e passou em algumas avaliações, ele já não recebe o mesmo valor de quando entrou, por exemplo. Você vai criando essas lógicas para melhorar a situação”.
Apoiar professores que já estão na rede: “tem muitos professores que estão fora da sala de aula por questões psiquiátrica. Então, ofertar mais apoio psicológico, mas também melhorar a legislação, porque dentro desse bolo tem gente que talvez não devesse estar de licença”
O que diz a Secretaria do Estado da Educação
Questionada sobre o assunto, a Secretaria do Estado da Educação (Seduc) respondeu que o corpo docente atuante da rede estadual, composto por professores efetivos e contratados, “possui competências e habilidades para lecionar o conteúdo em sala de aula”. Disse ainda que, atualmente, “103.190 professores são efetivos, o equivalente a 50,45% do total de 204.505 docentes da rede estadual”, considerando do o estado.
Ressaltou ainda que após 10 anos, a pasta realizou um concurso público para professores de ensino fundamental e médio, que prevê a contratação de 15 mil profissionais. “Os primeiros aprovados iniciarão as atividades em 2025 e o certame tem validade de até dois anos” e “que a nova carreira dos docentes da Seduc conta com um salário inicial de R$ 5,3 mil, valor acima do piso nacional. Todos os professores ingressantes a partir de 2023 recebem esse valor na jornada de 40h”.
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