{"id":153717,"date":"2025-04-03T09:31:16","date_gmt":"2025-04-03T12:31:16","guid":{"rendered":"https:\/\/bbc.jornalfloripa.com.br\/bbcbrasil\/153717"},"modified":"2025-04-03T09:31:16","modified_gmt":"2025-04-03T12:31:16","slug":"em-defesa-da-democracia-x-terceiro-mandato","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/bbc.jornalfloripa.com.br\/bbcbrasil\/153717","title":{"rendered":"Em defesa da Democracia X terceiro mandato"},"content":{"rendered":"
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Pal\u00e1cio do Planalto Ag\u00eancia Brasil <\/span><\/figcaption><\/figure>\n

*Por: Ricardo Sayeg<\/em><\/strong><\/p>\n

Somos mais do que um Estado de Direito, somos um Estado Democr\u00e1tico de Direito. Este princ\u00edpio fundamental \u00e9 subst\u00e2ncia da nossa Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica de 1988, promulgada a partir da ruptura com o sistema anterior, edificante do atual pacto constitucional, considerado origin\u00e1rio, onde o Estado Democr\u00e1tico de Direito e a dignidade da pessoa humana s\u00e3o al\u00e7ados a pilares estruturantes, supremos e apote\u00f3ticos da nossa ordem jur\u00eddica nacional.<\/p>\n

Estes fundamentos substanciais do Estado Democr\u00e1tico de Direito. e da dignidade da pessoa humana nunca antes haviam sido consagrados, por escrito, em nossa hist\u00f3ria constitucional.<\/p>\n

Pela Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica de 1988, tornou-se inquestion\u00e1vel que a democracia \u00e9 o fundamento do nosso sistema e, como \u00e9 not\u00f3rio, a altern\u00e2ncia de poder lhe \u00e9 inerente e substancial.<\/p>\n

A altern\u00e2ncia do poder n\u00e3o \u00e9 uma mera formalidade te\u00f3rica, mas sim a garantia de que o poder n\u00e3o se cristalize nas m\u00e3os de um \u00fanico cidad\u00e3o em qualquer esfera pol\u00edtica do poder executivo da Rep\u00fablica, sob pena de fal\u00eancia do pr\u00f3prio conceito de que todo poder emana do povo e o seu equil\u00edbrio democr\u00e1tico.<\/p>\n

Numa democracia n\u00e3o existem reis ou ungidos para o exerc\u00edcio do poder executivo. A ningu\u00e9m \u00e9 dado se perpetuar. \u00c9 intoler\u00e1vel qualquer manifesta\u00e7\u00e3o narcisista de patrimonialismo da Rep\u00fablica.<\/p>\n

O paradigma universal de consagra\u00e7\u00e3o desse princ\u00edpio fundamental est\u00e1 na Constitui\u00e7\u00e3o dos Estados Unidos da Am\u00e9rica, por meio da 22\u00aa Emenda, ao estabelecer que nenhum cidad\u00e3o pode ser eleito mais do que duas vezes para o cargo de Presidente da Rep\u00fablica.<\/p>\n

Trata-se de uma indispens\u00e1vel salvaguarda democr\u00e1tica, essencial e estruturante, que visa impedir que o poder executivo seja sequestrado por um \u00fanico cidad\u00e3o que se coloca acima da igualdade entre todos e sufoca a leg\u00edtima representatividade popular an\u00f4nima, eternamente coroada pelo pluralismo instrumentalizado por elei\u00e7\u00f5es peri\u00f3dicas e justas.<\/p>\n

Nossa Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica do Brasil expressamente autoriza que o Presidente da Rep\u00fablica, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, e os Prefeitos podem ser reeleitos para um \u00fanico per\u00edodo subsequente e nada mais a prop\u00f3sito. Esta previs\u00e3o foi introduzida pela Emenda Constitucional n\u00ba 16, de 1997.<\/p>\n

Neste quadro constitucional, a omiss\u00e3o de um texto na Carta da Rep\u00fablica que venha literalmente instituir uma barreira que impe\u00e7a algu\u00e9m de voltar ao poder executivo ap\u00f3s ter sido mandatado por duas vezes, deve ser interpretada devidamente.<\/p>\n

O que significa essa omiss\u00e3o? Permite ou n\u00e3o que algu\u00e9m exer\u00e7a o cargo p\u00fablico de chefe do executivo, principalmente de Presidente da Rep\u00fablica, por mais de dois mandatos, mesmo que n\u00e3o consecutivos?<\/p>\n

Penso que este sil\u00eancio constitucional n\u00e3o significa libera\u00e7\u00e3o antidemocr\u00e1tica de patrimonializa\u00e7\u00e3o do poder, uma vez que esta reflex\u00e3o deve ser iluminada conforme os ditames do Estado Democr\u00e1tico de Direito que est\u00e1 estampado como princ\u00edpio fundamental na nossa Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica.<\/p>\n

Para o estado e seus agentes pol\u00edticos \u00e9 proibido aquilo que n\u00e3o esteja escrito e permitido; e, n\u00e3o o contr\u00e1rio.<\/p>\n

O Supremo Tribunal Federal tem orientado quanto \u00e0 seriedade e o rigor com que devemos respeitar o nosso Estado Democr\u00e1tico de Direito, diante das condena\u00e7\u00f5es e pesadas penas que o Pret\u00f3rio Excelso tem aplicado no caso do \u201c8 de Janeiro\u201d.<\/p>\n

Ent\u00e3o, teoricamente meu entendimento, como cientista do Direito, \u00e9 o seguinte: em nosso Estado Democr\u00e1tico de Direito deve-se interpretar as quest\u00f5es constitucionais rigorosamente em favor da democracia e n\u00e3o contra ela, atribuindo-lhe a m\u00e1xima efetividade poss\u00edvel.<\/p>\n

Assim, o exerc\u00edcio do poder executivo pelo mesmo cidad\u00e3o por mais de dois mandatos, ainda que intercalados, afronta o princ\u00edpio da altern\u00e2ncia de poder e, portanto, \u00e9 incompat\u00edvel com o estado democr\u00e1tico de direito que consubstancia e estrutura nossa Carta Magna.\u00a0<\/p>\n

A experi\u00eancia hist\u00f3rica dos Estados Unidos refor\u00e7a essa vis\u00e3o. Donald Trump, por exemplo, por mais que queira, est\u00e1 impedido de se candidatar a um terceiro mandato por conta da aludida determina\u00e7\u00e3o constitucional, expressa na 22a Emenda, que preza pela preserva\u00e7\u00e3o da democracia.<\/p>\n

Santo paradigma democr\u00e1tico a ser seguido. Realmente a discuss\u00e3o em torno de um terceiro mandato para o presidente Donald Trump me fez parar para pensar; e, lhe convido (meu leitor) a esta mesma reflex\u00e3o.<\/p>\n

A prop\u00f3sito, h\u00e1 um \u00fanico precedente de exce\u00e7\u00e3o na hist\u00f3ria norte-americana: Franklin D. Roosevelt foi eleito por tr\u00eas mandatos consecutivos durante um per\u00edodo excepcional\u00edssimo (1933-1945) de caos global, a Segunda Grande Guerra, na qual se enfrentava o pr\u00f3prio anticristo que empunhava a nefasta bandeira do nazismo e estava a amea\u00e7ar toda a humanidade.<\/p>\n

Tal exce\u00e7\u00e3o, contudo, considerou-se t\u00e3o excepcional que foi logo definitivamente combatida e abolida naquela ordem constitucional democr\u00e1tica, imediatamente em seguida, em 1947, com a aprova\u00e7\u00e3o da aludida 22\u00aa Emenda pelo Congresso norte-americano. Apresentada no Congresso daquela na\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica, a 22a Emenda foi aprovada por 285 a 121, em 6 de fevereiro de 1947. Como se v\u00ea, nos Estados Unidos o permissivo de exce\u00e7\u00e3o, mesmo sob circunst\u00e2ncias t\u00e3o excepcionais, foi imediata e firmemente enfrentado e banido para proteger o regime democr\u00e1tico de potenciais abusos futuros; e, \u00e9 assim que deve ser.<\/p>\n

O Brasil, atualmente, n\u00e3o se encontra em uma situa\u00e7\u00e3o extraordin\u00e1ria que minimamente justificasse semelhante exce\u00e7\u00e3o. N\u00e3o estamos em guerra, nem sob amea\u00e7a existencial que justifique a captura do poder por parte de um \u00fanico cidad\u00e3o, contra a obrigat\u00f3ria e absolutamente necess\u00e1ria altern\u00e2ncia de poder que \u00e9 indispens\u00e1vel para qualquer democracia respeit\u00e1vel.<\/p>\n

A interpreta\u00e7\u00e3o da nossa Constitui\u00e7\u00e3o Federal deve, portanto, ser realizada de modo a proteger e promover, com rigor, a democracia, em decorr\u00eancia, nosso Estado Democr\u00e1tico de Direito.<\/p>\n

Permitir que um cidad\u00e3o seja eleito no poder executivo, especialmente, para Presidente da Rep\u00fablica, por mais de dois mandatos, ainda que n\u00e3o consecutivos, \u00e9 uma grav\u00edssima e inaceit\u00e1vel distor\u00e7\u00e3o sist\u00eamica que compromete a ess\u00eancia democr\u00e1tica do nosso pa\u00eds.<\/p>\n

\u00c9 inconstitucional que algu\u00e9m retome o poder ap\u00f3s j\u00e1 ter exercido por duas vezes o cargo de chefe do executivo, principalmente no que diz respeito \u00e0 Presid\u00eancia da Rep\u00fablica.<\/p>\n

Com efeito, aqui no Brasil, uma eventual candidatura para um quarto mandato, seria uma brutal afronta \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica do Brasil, caracterizando-se como situa\u00e7\u00e3o absolutamente antidemocr\u00e1tica e inconstitucional.<\/p>\n

Esta cl\u00e1usula democr\u00e1tica constitucional impl\u00edcita de barreira ao terceiro mandato de chefe do executivo, \u00e9 evidente e ineg\u00e1vel. Convenhamos, em uma democracia real, algu\u00e9m ser Presidente da Rep\u00fablica por tr\u00eas vezes, quanto mais quatro, \u00e9 uma grave anomalia antidemocr\u00e1tica de perpetua\u00e7\u00e3o no poder, destrutiva do sublime ideal democr\u00e1tico nacional, porque corr\u00f3i a obrigatoriedade da indispens\u00e1vel renova\u00e7\u00e3o leg\u00edtima e compuls\u00f3ria no cargo de lideran\u00e7a m\u00e1xima da Rep\u00fablica.<\/p>\n

Concluindo: no meu entendimento jur\u00eddico, sem embargo \u00e0s doutas opini\u00f5es em contr\u00e1rio, o terceiro mandato de chefe do executivo, em raz\u00e3o da cl\u00e1usula democr\u00e1tica constitucional impl\u00edcita de barreira, \u00e9 absolutamente inconstitucional por transgredir profunda e frontalmente os pilares fundamentais que sustentam o Estado Democr\u00e1tico de Direito do Brasil.<\/p>\n

Deus salve a Rep\u00fablica!<\/p>\n

Ricardo Sayeg \u2013 Jornalista. Jurista Imortal da Academia Brasiliense de Direito e da Academia Paulista de Direito. Professor Universit\u00e1rio. Livre-Docente. Doutor e Mestre em Direito. Presidente da Comiss\u00e3o Nacional Crist\u00e3 de Direitos Humanos do FENASP. Comandante dos Cavaleiros Templ\u00e1rios do Real Arco Guardi\u00f5es do Graa<\/p>\n

** Este texto n\u00e3o reflete, necessariamente, a opini\u00e3o do Portal iG<\/em><\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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