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Investigação identificou desde problemas com a limpeza da cadeira usada pelo médico e uso inadequado de antissépticos até descumprimento às normas de uso da autoclave, equipamento essencial para a descontaminação de instrumentos cirúrgicos. MP encontra indícios de irregularidades no AME de Taquaritinga
O Ministério Público do Estado de São Paulo apontou uma série de irregularidades no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Taquaritinga (SP), local onde 13 pacientes ficaram cegos após um mutirão de cirurgias de catarata, em outubro do ano passado.
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Entre as falhas, estão a ausência de sistema de ventilação, problemas com a limpeza da cadeira usada pelo médico e o uso inadequado de antissépticos.
Além disso, o centro de esterilização estaria funcionando sem profissionais qualificados e descumprindo as normas de uso da autoclave, equipamento essencial para a descontaminação de instrumentos cirúrgicos.
MP investiga por que 12 pessoas ficaram cegas ou com sequelas após mutirão de catarata
Reprodução/TV Globo
De acordo com o promotor Ilo Wilson Marinho Gonçalves, responsável pela investigação, as irregularidades encontradas são gravíssimas e podem ter contribuído para as complicações cirúrgicas nos 13 pacientes que perderam a visão.
“Essas irregularidades na central de material e esterilização são gravíssimas e, de certa forma, não tenho a menor dúvida de que podem, sim, ter contribuído com esse desfecho terrível a todas as pessoas que foram submetidas ao procedimento cirúrgico que está sendo objeto de investigação”.
As cirurgias de catarata no AME de Taquaritinga continuam suspensas, e os pacientes prejudicados recebem atendimento no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Irregularidades identificadas
Segundo o MP, na Central de Material de Esterilização do AME, a inspeção realizada pelas Vigilâncias Sanitárias Municipal e Estadual identificou:
Profissional atuante sem qualificação;
Ausência de profissional responsável com dedicação exclusiva;
Uso irregular da autoclave (equipamento descontaminante), resultando na queda dos padrões de qualidade da água purificada;
Ausência de controle de esterilização da caneta de foco usada nas cirurgias;
Falta de registros de preparo e diluição de detergente enzimático;
Ausência de evidências do correto enxague final de produtos críticos utilizados em cirurgias oftalmológicas;
Inexistência de monitoramento dos parâmetros indicadores de efetividade dos desinfetantes para artigos semicríticos.
No centro cirúrgico, as irregularidades incluem:
Colonoscópios sem barreiras de proteção;
Ausência de sistema de ventilação nas salas anexas ao centro de procedimentos;
Falta de controle de tempo após o uso de colírios nos olhos do paciente antes das cirurgias;
Problemas nos números descritos para acompanhamento de exames realizados;
Ausência de notificações no sistema oficial da Anvisa (NOTIVISA);
Falta de atuação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e do Núcleo de Segurança do Paciente (NSP).
A farmácia do AME também apresentou irregularidades, ainda segundo MP:
Armazenamento inadequado de produtos, com uso de elásticos para agrupar unidades em prateleiras de aço encostadas nas paredes;
Funcionária manuseando materiais esterilizados no chão, utilizando elásticos para acondicioná-los, violando as boas práticas em serviços de saúde.
Vários dos itens listados estão em desacordo com legislação e regulação sanitária indicada para procedimentos cirúrgicos.
AME de Taquaritinga, SP
Valdinei Malaguti/EPTV
Medidas tomadas
Para apurar as falhas e responsabilizar os envolvidos, o Ministério Público informou que encaminhou a documentação aos Conselhos Regionais de Farmácia e de Medicina para que sejam aplicadas as medidas disciplinares cabíveis aos profissionais envolvidos.
O órgão também requisitou uma nova inspeção da Vigilância Sanitária em todo o AME, com possibilidade de interdição total do local, caso sejam confirmadas mais irregularidades.
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O MP também está organizando a tomada de depoimentos das vítimas e da equipe médica envolvida no mutirão de outubro, que devem ser ouvidos nos próximos dias.
Outra medida anunciada foi a solicitação de complementação de documentação à Secretaria de Saúde e ao grupo gestor do AME. O MP aguarda novos esclarecimentos sobre os protocolos de segurança que deveriam ter sido seguidos durante as cirurgias.
“A formalização e a indicação do protocolo de maneira específica e detalhada ainda não foi apresentada, razão pela qual o Ministério Público vai requisitar a apresentação deste documento de forma detalhada para permitir a adequada responsabilização dos envolvidos”, disse o promotor.
A salgadeira Maria de Fátima Garcia Chiari ficou cega do olho direito após passar por cirurgia de catarata no AME de Taquaritinga, SP
Valdinei Malaguti/EPTV
Toda a documentação já coletada foi encaminhada ao CAEX (Núcleo de Perícia Médica do MP em São Paulo) para análise e elaboração de um laudo técnico.
Após a conclusão dessas etapas, o órgão disse que tomará as medidas judiciais cabíveis, que podem incluir ações civis e criminais contra os responsáveis pelas irregularidades.
Procurado pela EPTV, afiliada da TV Globo, o Grupo Santa Casa de Franca não quis falar sobre o relatório preliminar do MP.
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde disse que segue com a sindicância para apurar a responsabilidade das pessoas envolvidas no mutirão e o resultado deve sair em 15 dias.
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