Morte em igreja, erros e reviravolta judicial: há 18 anos o caso Gabrielli chocava Joinville

Caso Gabrielli: Gabrielli Cristina Eicholz, menina de um ano e meio encontrada morta em um tanque batismal

Gabrielli Cristina Eicholz foi encontrada morta em um tanque batismal de uma igreja evangélica em 2007 – Foto: NDTV/Reprodução

A morte de Gabrielli Cristina Eichholz, de 1 ano e 6 meses, chocou Joinville em 3 de março de 2007. O caso aconteceu no dia 3 de março, durante a inauguração de um templo da Igreja Adventista no bairro Jardim Iririú.

Com mais de 200 pessoas presentes na cerimônia, a criança foi encontrada morta dentro da pia batismal da igreja.

O dia da tragédia

Gabrielli chegou à igreja acompanhada da prima adolescente e do namorado dela. A menina foi deixada sob os cuidados de um grupo recreativo infantil, que vigiava cerca de 20 crianças.

Um tempo depois, o corpo de Gabrielli foi encontrado por fiéis dentro da pia batismal da igreja, uma estrutura do tamanho de uma pequena piscina, com cerca de um palmo de profundidade de água. Ela foi levada ao Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, mas chegou sem vida.

Pia batismal em que Gabrielli foi encontrada – Foto: Arquivo/Reprodução/ND

Início da investigação do caso Gabrielli

Na época, um médico, sem experiência em autópsias, foi designado para fazer o exame legista. Em poucas linhas, atestou afogamento como causa da morte. No entanto, mencionou uma fissura no ânus da criança, levantando a hipótese de abuso sexual.

A polícia então voltou os olhos a última pessoa que teria sido vista com a menina, que no caso era o namorado da prima de Gabrielli, um adolescente de 17 anos. Por sete dias, ele foi o principal suspeito.

A prisão de Oscar

Em 12 de março, a investigação tomou outro rumo. A polícia prendeu Oscar Gonçalves do Rosário, pedreiro de 22 anos, em sua casa em Canoinhas. A detenção foi baseada numa suspeita levantada por um policial militar de Joinville, que morava a cerca de três ruas de distância de Oscar.

O policial considerou estranho que o jovem tivesse retornado a Canoinhas no dia do crime e, ao consultar seu histórico, descobriu uma passagem por furto de fios de cobre em uma igreja.

Oscar Gonçalves do Rosário, pedreiro de 22 anos durante a reconstituição do crime – Foto: Arquivo/ND

O policial levou a informação à Polícia Civil de Joinville, que foi até Canoinhas com o pretexto de que levariam Oscar para prestar esclarecimento. A partir daí, a casa de Oscar foi revirada, ele foi algemado e posto no camburão, sem que ao menos houvesse um mandado de prisão.

No dia seguinte (13), Oscar participou de uma reconstituição do crime tumultuada. Segundo o delegado que cuidou do caso na época, em depoimento, Oscar teria descrito a cena do desaparecimento da criança com detalhes.

Contradições e falta de provas

Em 23 de março, Oscar foi indiciado por homicídio doloso e atentado violento ao pudor. Três dias depois, um promotor responsável pelo caso o denunciou formalmente.

Oscar negou o crime e pediu um exame de DNA. A polícia afirmou que não havia material coletado do corpo da vítima para realizar o teste. Tampouco o primeiro suspeito foi submetido ao exame.

A defesa de Oscar apresentou uma ligação telefônica feita por ele, para provar sua inocência. A ligação era de um orelhão localizado a dois quilômetros da igreja, entre 9h22 e 9h24, no mesmo horário em que Gabrielli desapareceu. A informação foi confirmada pela Brasil Telecom. Ainda assim, a investigação prosseguiu contra ele.

Em 26 de agosto de 2007, o médico que fez a autópsia afirmou que seu laudo nunca mencionou violência sexual, apenas afogamento. O artigo 159 do Código de Processo Penal, que exige dois peritos oficiais, foi ignorado durante o exame de necropsia. O laudo foi feito por ele e apenas assinado por outro médico.

O legista Nelson Quirino, com 25 anos de experiência no IML de Joinville, analisou as fotos e apontou vários erros. De acordo come ele, não havia sangramento na traqueia, nem sinais claros de esganadura. A pediatra que atendeu Gabrielli no hospital, também afirmou que a fralda estava intacta e não havia indícios de abuso.

Além disso, reforçaram a tese de que a dilatação anal podia ser efeito natural do afogamento. A médica em seu depoimento disse que notou um forte cheiro de fezes ao atender a menina, quando tirou a fralda percebeu que o ânus estava dilatado e que continuava defecando.

Mesmo assim, o promotor na época divulgou à imprensa que a criança havia sofrido asfixia, agressão no peito e abuso sexual, sem considerar os laudos divergentes. Após essa sucessão de erros, o promotor foi transferido de comarca e outro promotor assumiu o caso.

Julgamento e condenação

O julgamento popular de Oscar foi marcado para 14 de agosto de 2008. Começou às 8h da manhã e durou até as 7h15 do dia seguinte. Oscar foi condenado a 20 anos de prisão.

Durante o julgamento, reafirmou sua inocência, disse que não estava na igreja e que foi coagido a confessar o crime, de acordo com ele os abusos incluíram até agressão física.

Oscar Gonçalves do Rosário foi preso e condenado – Foto: Arquivo/ND

Reviravolta e o fim trágico de Oscar

Em 25 de março de 2010, a desembargadora Salete Sommariva votou pela anulação do processo. Outros quatro desembargadores concordaram ao alegar que não havia provas suficientes. A investigação foi oficialmente arquivada em 2011.

A mãe de Gabrielli afirmou, na época, que nunca acreditou que Oscar fosse culpado.

Em paralelo, a família da menina processou a Igreja Adventista. Alegaram que o templo ainda estava em construção e sem autorização legal de funcionamento.

Em 2011, a Justiça condenou a instituição a pagar R$ 200 mil por danos morais, mas a igreja recorreu. Acabaram por chegar a um acordo, cujo valor não foi divulgado.

Oscar, por sua vez, processou o Estado de Santa Catarina. Em 2016, foi decidido que receberia R$ 80 mil por danos morais e meio salário mínimo por cada um dos 3 anos e 14 dias preso. O STJ negou o pedido do Estado para reduzir a indenização.

Uma semana após a decisão definitiva, em 29 de outubro de 2020, Oscar morreu atropelado por uma caminhonete em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Ele estava na cidade para trabalhar como ajudante de caminhoneiro. O corpo foi velado em Canoinhas, onde morava com a esposa e os dois filhos pequenos. Com sua morte, a indenização foi transferida para a família.

Um caso sem respostas

Hoje, os pais de Gabrielli continuam a viver em Joinville com os quatro filhos. Evitam falar sobre o caso. Dezoito anos depois, o que aconteceu naquela manhã de culto permanece sem resposta. O caso Gabrielli segue arquivado, mas aberto na memória de uma cidade inteira.

 

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