
Um grupo de deputados está trabalhando para estruturar um novo Projeto de Lei (PL) que define regras mais específicas para o crime organizado e prevê penas mais rígidas para integrantes de organizações criminosas.
A proposição está sendo construída com diálogo entre representantes de setores econômicos e de diferentes instâncias do poder público e deve ser protocolada na próxima semana.
Segundo apurou o Portal iG, a minuta do projeto já está pronta, mas passa por revisão e aprimoramento dos parlamentares.
Na próxima semana, deputados da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), vão se reunir com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para discutir a proposta e refinar o texto.
Setor de combustíveis tem sido principal alvo
A proposição deve ser protocolada em conjunto, com o apoio de congressistas da oposição e a expectativa é que tenha prioridade na pauta do Congresso Nacional.
O texto visa alterar o Código Penal (CP) e o Código de Processo Penal (CPP), além de leis como a 12850/2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal; a 8176/1991, que trata dos crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis; a 9847/1999, que dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis; e a 13033/2014, que dispõe sobre a adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel comercializado com o consumidor final.
A intenção das alterações nessas leis é, entre outros pontos, “dispor sobre os crimes praticados por organizações criminosas no âmbito de grandes setores da economia”.
A minuta do projeto foi construída por representantes de grandes empresas de capital aberto, que reúne todos os setores da economia nacional, com a finalidade de impedir o avanço do crime organizado no meio empresarial.
O projeto também pretende criar medidas de prevenção e repressão de condutas criminosas praticadas por organizações criminosas e coibir práticas ilegais nos setores público e privado.
Com isso, o objetivo é combater a infiltração do crime organizado na economia nacional, especialmente no mercado de combustíveis, coibindo práticas ilegais que comprometem a arrecadação de tributos, a concorrência e a segurança pública.
“Temos observado o avanço do crime organizado em setores estratégicos como portos, infraestrutura, postos de combustível e telecomunicações. Isso não é um problema de um único setor, é um problema nacional. Estamos diante de um novo fenômeno: o crime organizado no Brasil está se transformando em algo semelhante a empresas. E, ao fazer isso, adquirem outro nível de produtividade criminosa, com lógica empresarial”, disse Pablo Cesário, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). O executivo foi responsável por entregar a ideia desse novo projeto de lei ao ministro Lewandowski.
Postos de gasolina
A principal atividade econômica citada na minuta do projeto é o setor de combustíveis. Os proponentes apontam um crescimento da atuação de organizações criminosas nesse ramo, com a abertura de postos de gasolina para, entre outras finalidades, lavagem de dinheiro.
Prejuizos bilionários
Essa prática envolve outros crimes, como o furto e receptação de combustíveis e fortalece a estrutura das organizações criminosas, já que é um negócio altamente lucrativo.
De acordo com a justificativa do projeto, estima-se que essas atividades ilícitas, não só em postos de gasolina, tenham gerado perdas de R$ 453,5 bilhões em 2022.
“É essencial criar mecanismos para cortar os incentivos econômicos que alimentam essas organizações. Elas existem porque são altamente lucrativas, com estruturas que, muitas vezes, superam as do próprio Estado”, ressaltou o presidente da Abrasca.
O texto propõe penalidades mais severas para o furto e a receptação de combustíveis, tipificando essas condutas como crimes contra a ordem econômica.
A proposta também endurece regras sobre progressão de regime e livramento condicional para condenados envolvidos em organizações criminosas, inclusive adolescentes líderes de grupos armados.
“Essa proposta legislativa precisa prever penas mais severas não apenas para os envolvidos diretamente, mas também para quem financia, movimenta e lava o dinheiro dessas quadrilhas. Como exemplo, já vimos organizações criminosas se infiltrando em atividades como compra de hospitais e usinas. Isso é gravíssimo”, alertou Pablo Cesário.
Além disso, o projeto, revoga permissões de importação em casos de irregularidades com combustíveis e amplia de cinco para 30 anos o impedimento de atuação no setor, aos condenados por tal delito.
No âmbito ambiental, a proposta reforça a política de descarbonização ao estabelecer como crime o não cumprimento das metas de aquisição de Créditos de Descarbonização (CBIOs) e impor multa proporcional.
Também condiciona a venda de diesel à manutenção de estoque mínimo de biodiesel, responsabilizando todos os elos da cadeia de comercialização pelo cumprimento das metas ambientais.
“A medida visa restaurar a integridade do setor e promover a sustentabilidade econômica e ambiental. O projeto também precisa definir claramente o que é esse novo tipo de organização criminosa, porque essas organizações não existem por acaso. Elas fazem sentido do ponto de vista econômico, e isso precisa ser enfrentado”, enfatizou Pablo Cesário, da Abrasca.
A entidade ainda pediu ao ministro Lewandowski que seja criada uma força-tarefa específica, com protagonismo da Polícia Federal, para enfrentar a invasão do crime organizado em setores da economia.
“Sabemos que há estados em que as forças policiais locais já não conseguem mais enfrentar essas organizações. Precisamos de uma resposta coordenada e com capacidade de atuação nacional. O crime está operando com lógica empresarial e temos que enfrentá-lo como tal”, disse Cesário.
Sobre isso, Lewandowski acredita que a segurança pública é dever de todos, não só do Estado.
“A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade da sociedade. Portanto, é algo compartilhado. É claro que o Estado, por si só, não consegue debelar a criminalidade que está organizada hoje, como está no setor de combustíveis, transportes. Nas últimas eleições, vimos a infiltração deles na eleição municipal, lançando vereadores, prefeitos”, afirmou.
O ministro garantiu que o governo tem se preocupado com a descapitalização das organizações criminosas e concordou que é necessária uma revisão das penas, criando punições mais severas para integrantes desses grupos.
“Só no ano passado arrecadamos R$ 6 bilhões do crime organizado, seja em dinheiro vivo, seja em automóveis. Mas nós temos que aumentar as penas das organizações criminosas, fazer a distinção de quem são elas precisamente. Às vezes, uma reunião de três ou quatro empresários que fazem uma fraude qualquer ao consumidor já é considerada organização criminosa, mas não é. Organização são criminosos organizados”, salientou.
“Nós precisamos graduar a pena de acordo com a culpabilidade. O crime organizado é grave, está avançando bastante. Nós não vamos fazer deste país um novo México. Não vamos permitir a mexicanização”, acrescentou o ministro.
PEC da Segurança
O projeto que está em construção vem à tona em meio às discussões sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança, enviada pelo governo federal ao Congresso. A proposição pretende estabelecer diretrizes gerais quanto à política de segurança pública e defesa social, que incluirá o sistema penitenciário.
A proposta também atualiza as competências da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), além de reconhecer na Constituição as guardas municipais como parte das forças de segurança. Ela ainda prevê a criação de corregedorias e ouvidorias autônomas.
Outro objetivo da PEC é incluir oficialmente na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado em 2018.
A ideia é fortalecer a colaboração entre o governo federal, os estados e os municípios na criação e na execução de políticas de segurança pública. Para isso, a proposta prevê o compartilhamento de informações entre os três níveis de governo, como uma forma de combater com mais eficiência o crime organizado, especialmente aquele que atua em diferentes estados do país.
Outro ponto importante da proposta é a inclusão do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social na Constituição. Esse conselho seria formado por representantes dos governos federal, estaduais, municipais e também da sociedade civil, e terá a função de ajudar a definir diretrizes para a área da segurança pública.
“Nosso objetivo é combater o crime organizado, o tráfico de drogas e acabar com essas redes criminosas por meio de ações integradas, como já faz a Polícia Federal. Essa é a ideia central, o primeiro eixo da proposta”, destacou Lewandowski.
A PEC também transforma em normas constitucionais os fundos nacionais de Segurança Pública e de Política Penitenciária, que financiam ações e projetos na área.
Segundo o ministro da Justiça, esse é um quesito fundamental para o sucesso das políticas de segurança, porque “sem recursos financeiros, não é possível implementar essa emenda constitucional na prática”.
Além disso, cria uma força policial da União e renomeia a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que passa a se chamar, caso a proposta seja aprovada, Polícia Viária Federal (PVR).
“É necessário criar uma força policial especializada para fiscalizar e combater a circulação de mercadorias ilegais, drogas, armas e até vítimas de tráfico de pessoas. Por isso, estou sugerindo que a atual Polícia Rodoviária Federal passe a se chamar Polícia Viária Federal, para atuar não apenas nas rodovias, mas também em ferrovias e hidrovias”, informou Lewandowski, sob o argumento de que a atuação nessas vias estão crescendo a cada dia e, assim, o Brasil está se expandindo economicamente.
Apesar de ampliar o papel do governo federal na segurança pública, a proposta deixa claro que as responsabilidades dos estados e municípios não serão retiradas. Ou seja, mesmo com essas novas atribuições, os demais entes federativos continuarão tendo suas funções garantidas pela Constituição.
Mesmo assim, o ministro Lewandowski lembrou que a autonomia não é sinônimo de soberania. “Os estados têm autonomia, mas não têm soberania. Com todo respeito, alguns governadores parecem achar que são soberanos. Mas não é assim. Nós fazemos parte de um conjunto, de um sistema, que precisa funcionar de maneira integrada”, declarou.
“Trata-se de um projeto extremamente sólido e, eu diria, elegante do ponto de vista jurídico e constitucional. Não estamos inovando ou criando nenhum instituto novo. Não alteramos nenhuma palavra do que já existe no ordenamento legal. Fizemos isso justamente para facilitar a tramitação da proposta”, defendeu o ministro.
Propostas alternativas
Entretanto, a possibilidade de perda de autonomia dos estados e as dificuldades envolvidas na centralização do poder de decisão na União, tem gerado desconforto entre alguns parlamentares, principalmente os de oposição.
Além disso, os debates sobre segurança pública são, geralmente, comandados pelos deputados e senadores que não fazem parte da base governista e a apresentação de uma proposta pelo presidente Lula e seus ministros, pode representar uma protagonização do governo petista nos temas da área.
Assim, a oposição tem se movimentado para resgatar o protagonismo no debate. Além da proposta que está sendo elaborada, em sua maioria por parlamentares integrantes da FPE, outras proposições já protocoladas no Congresso despontam como possíveis alternativas à PEC da Segurança.
Nesse sentido, a oposição no parlamento tem articulado o avanço de outra proposta, a PEC 3/2025.
Apresentada pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), essa proposição pretende mudar a Constituição Federal para que o Congresso Nacional tenha a competência exclusiva de criar regras gerais sobre segurança pública, defesa social e sistema penitenciário, com a colaboração da União.
Na prática, isso quer dizer que caberia principalmente ao Congresso elaborar as leis sobre esses assuntos, enquanto o governo federal teria um papel de apoio, atuando de forma cooperativa. Essa proposta difere da PEC da Segurança, que concentra mais poderes no governo federal. Já a PEC 3/2025 reforça a autoridade do Poder Legislativo e, ao mesmo tempo, garante que os estados continuem com sua autonomia.
“A PEC 3/2025 corrige falhas da proposta do governo [PEC da Segurança] ao adotar uma lógica federativa e cooperativa. Enquanto o governo centraliza e impõe diretrizes da União às polícias estaduais, nossa proposta preserva a autonomia dos estados, valoriza as forças locais e garante controle democrático”, afirmou o senador Mecias de Jesus, em entrevista ao iG.
Segundo ele, a proposta foi construída a partir da escuta das necessidades e realidades vividas nos estados e municípios. O senador ainda afirma que a PEC tem ampla aceitação entre “parlamentares comprometidos com uma segurança pública eficiente, cooperativa e juridicamente segura”.
Também foi protocolada no Senado, a PEC 8/2024, de autoria da senadora Margareth Buzetti (PSD/MT), que altera a competência da administração de presídios.
Hoje, de acordo com a Constituição, os estados e a União têm competência concorrente para legislar sobre direito penitenciário. A proposta da parlamentar é que apenas os estados, que já são responsáveis pelos presídios estaduais, possam legislar sobre o direito penitenciário.
Assim, os estados decidiriam legalmente sobre as penitenciárias existentes em seus respectivos territórios, com a autonomia de criar novas regras para a administração desses, e os presídios federais continuariam sob a responsabilidade da União.
Essa proposta está parada no Senado, aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), desde 2024. Mas, com os olhares voltados para o debate da segurança pública, existe a possibilidade de os senadores avançarem na discussão dessa PEC.
A senadora também propôs, ainda em 2024, outros projetos de lei, o que foi chamado por sua equipe de um novo Pacote Anticrime. Ela protocolou, além da PEC, dois Projetos de Leis (PLs) e um Projeto de Lei Complementar (PLP), com o objetivo de endurecer o tratamento dado a líderes de organizações criminosas e modificar a Lei de Execuções Penais. Todos estão parados no Senado.
“Eu sou autora de quatro propostas para combater o crime organizado que estão há um ano paradas no Congresso, esperando, entre outras coisas, o apoio do governo”, lamentou Buzetti.
“Da mesma forma que entendo a importância da unificação de informações, acredito que os estados deveriam ter maior autonomia para legislar sobre os seus sistemas penitenciários, o que hoje não acontece. Precisamos rever o tempo de internação daquele menor de idade que assassina em nome de uma facção criminosa”, opinou a senadora, que defende que só a PEC da Segurança, proposta pelo governo, não é suficiente para combater a estrutura elaborada e complexa do crime no Brasil.
Por outro lado, o ministro Lewandowski disse que o governo está aberto ao diálogo, não sendo, portanto, necessária essa disputa de narrativas.
“A PEC da Segurança propõe uma estruturação sistêmica, holística, estruturante da segurança pública. É um instrumento fundamental para depois fazermos alterações na legislação ordinária”, destacou.
“Não há, da parte do governo federal, nenhuma vaidade em relação à PEC. Não somos donos da verdade. Confiamos que os parlamentares, representantes do povo, vão melhorar o texto, pela experiência que têm, pelos contatos com as bases, pela vivência nas periferias. Mas precisamos começar logo, senão o crime organizado vai se transmutando”, assegurou Lewandowski.