‘Nunca autorizei nada’, diz potiguar vítima de fraude na aposentadoria do INSS


Operação da PF e CGU mirou suposto esquema de cobrança de mensalidades irregulares de aposentados e pensionistas. Desvios chegariam a R$ 6,3 bilhões, segundo estimativas. Fraude no INSS: como descobrir se você foi uma vítima
“Nunca autorizei nada”, diz aposentado potiguar João Marques, de 64 anos, que teve mais de R$ 77 descontados durante dez meses de sua aposentadoria no INSS. O destino do valor era uma associação da qual ele nunca tinha ouvido falar.
Aposentado como propagandista da indústria farmacêutica, João entrou com uma ação na Justiça Federal e ganhou o processo contra o INSS e a associação, mas ainda não recebeu os valores determinados.
📳Participe do canal do g1 RN no WhatsApp
Uma operação realizada nesta quarta-feira (23) pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) mirou um esquema bilionário de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que teria desviado recursos de aposentados e pensionistas ao longo de anos.
Segundo as investigações, os suspeitos cobravam mensalidades irregulares, descontadas dos benefícios de aposentados e pensionistas, sem a autorização deles. Os desvios ocorreram entre 2019 e 2024 e podem somar R$ 6,3 bilhões, conforme as estimativas.
No suposto esquema, associações ofereciam serviços sem ter estrutura, como desconto em academias e planos de saúde, e falsificavam as assinaturas dos beneficiários do INSS, afirmou o ministro da CGU, Vinícius Carvalho.
Os descontos na aposentadoria de João iniciaram em janeiro de 2024, no valor de R$ 77,86 mensais, sob a rubrica de contribuição associativa. O valor foi descontado todos os meses até outubro de 2024, somaram R$ 778,60.
O aposentado percebeu os descontos indevidos após ter sido alvo de outro golpe com o cartão de crédito e ter recebido a orientação para verificar também possíveis descontos no INSS.
Agência do INSS
TV Fronteira
Após perceber o desconto indevido, por orientação do advogado, ele entrou em contato com a associação para pedir a suspensão da mensalidade e o reembolso, antes mesmo do processo.
“Eu tive uma conversa com a uma atendente deles em que ela chegou a sugerir isso, que eu teria autorizado. Mas era uma pegadinha. Vai que cola, né? Mas teve essa sugestão. Não que eu teria assinado, mas que eu teria autorizado, acho que por telefone”, lembra o idoso.
Ainda de acordo com o aposentado, após o atendimento, a associação enviou um termo de autorização de cancelamento, porém o documento previa o “não reembolso” dos valores já descontados. Por isso, ele não assinou.
Segundo o advogado Davi Sales, que representou João Marques na ação, a associação não apresentou nenhuma comprovação de que ele tivesse autorizado os descontos. Nem a associação nem o INSS recorreram da sentença.
“A sentença foi favorável, procedente na restituição em dobro, ou seja, para ele receber dobrado todos os valores descontados do benefício, corrigidos e atualizados, e condenação por danos morais no valor de R$ 3 mil, que tem sido o padrão na Justiça Federal do Rio Grande do Norte”, afirmou.
O aposentado considera que a fraude é ainda mais prejudicial para os idosos que não têm costume de acompanhar a situação da sua aposentadoria.
“É um valor que, quando percebido e somado, termina representando uma quantia considerável. Eles se aproveitam, até de quem tem um certo conhecimento e cuidado. Todos nós terminamos relaxando nas averiguações, nos controles, de vez em quando”, disse.
Advogado é alvo de operação sobre fraude no INSS
Pensionista teve descontos em dois anos consecutivos
Silmara de Lima, de 45 anos, recebe pensão pelo falecimento do pai das suas duas filhas e percebeu descontos entre setembro de 2023 e janeiro de 2024, no valor de R$ 54,51 mensais, no nome de uma associação. Ela entrou em contato, pediu cancelamento e recebeu reembolso pelos pagamentos indevidos.
Porém, ela foi surpreendida pelo início de um novo pagamento em julho do ano passado, para outra associação, no valor de R$ 61,45. Dessa vez, o desconto aconteceu em apenas um mês, porque ela passou a acompanhar os descontos do benefício mensalmente.
“A gente já ganha um valor mínimo e aí aparecem esses descontos sem você autorizar. Assim, do nada, automaticamente na sua conta, direto do INSS. Isso é muito ruim. Não falam nada. Só falam que vão verificar e que em breve eu aguarde o ressarcimento”, disse.
Gravações com vozes de outras pessoas e assinaturas falsificadas
Somente o advogado Davi Sales afirma que já conta com mais de 20 processos semelhantes na Justiça Federal do Rio Grande do Norte. De acordo com ele, antes de entrar com a ação, os clientes são orientados a suspender o pagamento no sistema do INSS e a buscar ressarcimento diretamente com as entidades.
“Os processos são na Justiça Federal, porque o INSS está sendo considerado responsável subsidiário, ou seja, se associação não pagar, o INSS vai ter que pagar. A Justiça Federal aqui está entendendo sempre pela devolução em dobro e danos morais em todos os casos”, afirmou.
Segundo o advogado, em alguns casos, as instituições apresentam áudios de gravação de ligação telefônica confirmando a contratação, “mas que claramente não é a voz da pessoa”.
“Tivemos uns casos em que o termo de adesão constava assinatura falsificada, que nem de perícia precisava para provar que não foi a pessoa que assinou”, disse o advogado.
“Até agora, não tivemos nenhum processo em que foi comprovada a contratação. Na maioria dos casos eles juntam termos de adesão com diversas irregularidades, sem seguir nenhum procedimento, ou então, falsificados”, pontuou.
Como descobrir se você teve descontos indevidos? E o que fazer? Veja abaixo o passo a passo.
Como saber se tive valores descontados?
Como excluir cobrança indevida?
Como funcionava o esquema
Quando começou a investigação?
Cinco pessoas foram presas
Como saber se tive valores descontados?
Para descobrir se houve descontos indevidos, o aposentado ou pensionista deve consultar o extrato do INSS. No documento, estão todas as retiradas, tanto de crédito consignado como de mensalidades associativas.
Veja o passo a passo:
Acesse o app ou site Meu INSS
Faça login com CPF e senha do Gov.br
Clique em “Extrato de benefício”
Em seguida, clique sobre o número do benefício
Na próxima tela, irá aparecer o extrato
Basta, então, verificar descontos de mensalidades associativas
Voltar ao índice.
Como excluir cobrança indevida?
O aposentado ou pensionista que não reconhecer um desconto em seu benefício pode requerer o serviço “excluir mensalidade associativa” pelo aplicativo, no site do Meu INSS ou pela central 135. 📲
Confira o passo a passo para excluir a cobrança:
Entre no app “Meu INSS”
Faça login com CPF e senha do Gov.br
Clique no botão “novo pedido”
Digite “excluir mensalidade”
Clique no nome do serviço/benefício
Leia o texto que aparece na tela e avance seguindo as instruções
Para bloquear o benefício para as associações, para que elas não consigam realizar os descontos de mensalidade, é preciso seguir as orientações abaixo:
Entre no Meu INSS
Faça login com CPF e senha do Gov.br
No campo de pesquisa da página inicial , digite “solicitar bloqueio ou desbloqueio de mensalidade”
Na lista, clique no nome do serviço/benefício
Leia o texto que aparece na tela e avance seguindo as instruções
O beneficiário ainda tem a opção de entrar em contato com a associação para registrar uma reclamação e solicitar o estorno das contribuições realizadas de forma indevida.
Para o ressarcimento, o aposentado ou pensionista pode ligar para o telefone 0800 da entidade, cujo número aparece no holerite.
Além disso, o segurado pode enviar e-mail para [email protected], informando o ocorrido.
O INSS irá entrar em contato com a entidade autora do desconto em folha, solicitando os documentos que autorizaram o desconto ou a devolução dos valores.
Reclamações e denúncias sobre descontos não autorizados de associações ou entidades podem ser registradas diretamente no Portal Consumidor.Gov e na Ouvidoria do INSS, através da Plataforma Fala BR.
Voltar ao índice.
Presidente do INSS é demitido
Como funcionava o esquema?
Segundo as investigações, o esquema consistia em descontar de aposentados e pensionistas do INSS valores mensais, como se eles tivessem se tornado membros de associações de aposentados, quando, na verdade, não haviam se associado nem autorizado os descontos.
Segundo o ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, as associações envolvidas no esquema diziam prestar serviços como assistência jurídica para aposentados e ofereciam descontos em mensalidades de academias e planos de saúde, por exemplo, mas não tinham estrutura.
Os descontos indevidos nas pensões e aposentadorias pagas pelo INSS podem chegar a R$ 6,3 bilhões, de acordo com os investigadores.
Ao todo, 11 entidades foram alvos de medidas judiciais. Os contratos de aposentados e pensionistas com essas entidades foram suspensos, segundo o ministro da CGU.
Com a operação, o presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, foi demitido nesta quarta-feira (23). O nome do substituto ainda não foi anunciado.
Voltar ao índice.
Quando começou a investigação?
A investigação começou em 2023 na CGU, no âmbito administrativo. Em 2024, após a CGU encontrar indícios de crimes, a Polícia Federal foi acionada.
Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a PF abriu 12 inquéritos para investigar as fraudes.
A CGU entrevistou uma amostra de 1.273 aposentados e pensionistas. A maioria — 97% dessa amostra — afirmou nunca ter autorizado descontos em seus benefícios.
“O que apuramos é que a maioria dessas pessoas não tinha autorizado esses descontos, que eram em sua maioria fraudados, em função de falsificação de assinaturas e de uma série de artifícios para simular essa que não era uma vontade real dessas pessoas”, disse Carvalho.
Segundo ele, além de ter havido falsificações de assinaturas, em 72% dos casos as entidades não tinham entregue ao INSS a documentação necessária para fazer os descontos diretamente nos benefícios.
Voltar ao índice.
Cinco pessoas foram presas
A operação desta quarta, autorizada pela Justiça Federal, ocorreu em 13 estados e no Distrito Federal, com 211 buscas e apreensões em 34 municípios.
De acordo com o ministro Ricardo Lewandowski, foram apreendidos pela PF carros de luxo, joias, obras de arte e dinheiro vivo.
Também foram determinadas as prisões provisórias de seis pessoas.
Cinco já foram presas e uma estava foragida até a última atualização desta reportagem. Os investigados são de organizações associativas de Sergipe.
Além disso, a Justiça afastou cautelarmente de suas funções seis agentes públicos, que ainda não tiveram seus papéis no esquema divulgados pelos investigadores.
Voltar ao índice.
Veja os vídeos mais assistidos no g1 RN
Adicionar aos favoritos o Link permanente.