Aliviar ou Erradicar a Pobreza?

Brasil doenteFonte: OpenAI Dall-e

“A solução real nunca é isolada, pois sistemas são conjuntos de problemas interligados que exigem uma solução integrada.” Russell Ackoff

Maria tem 12 anos e participa diariamente das aulas promovidas por uma ONG que atua em sua comunidade, oferecendo educação como porta de saída da pobreza. Porém, ao voltar para casa, é frequentemente apedrejada por outros jovens da comunidade que enxergam sua tentativa de estudar como uma afronta à realidade local. 

Ao chegar, longe de encontrar segurança, sofre abusos cometidos pelo padrasto. O trauma constante e profundo torna impossível que essa criança se concentre nos deveres de casa, comprometendo severamente seu desenvolvimento educacional. 

Sua mãe recebe mensalmente uma ajuda financeira do governo, garantindo alimento básico e evitando a fome extrema, mas essa assistência não é capaz de modificar as condições degradantes em que vivem: o odor insuportável do esgoto aberto, as frequentes doenças transmitidas por mosquitos como dengue e febre amarela, e a escassez crônica de oportunidades de emprego continuam aprisionando Maria e sua família em um ciclo perverso de pobreza, violência e desesperança.

Milhões de famílias, assim como Maria, são assistidas por meio de ONGs no Brasil e no mundo; porém, ao mesmo tempo que essas entidades são bem sucedidas em conseguir aliviar um pouco os efeitos nocivos da pobreza extrema, criam um círculo de dependência. O fato é que elas não conseguem criar uma realidade em que o suporte de terceiros deixe de ser necessário (tirando uma ou outra exceção). 

Minha sugestão é criarmos um debate em torno de um novo modelo, um que erradique a pobreza e não apenas a alivie. Mas antes de entrar em detalhes, cabe o dilema: supomos que a população em extrema pobreza seja de um milhão de pessoas. Se desejamos erradicar essa miséria, conseguiremos resolver nos próximos 10 anos, a situação de 25% das pessoas, enquanto as outras 75% continuarão na mesma situação Ou seja, ou tiramos 100% da pobreza extrema e ainda continuamos pobres como Maria e sua família ou resolvemos parte do problema de forma absoluta e definitiva. Se você fosse a autoridade suprema para tomar esta decisão, qual escolheria? 

Para enfrentar esse dilema, é fundamental adotar uma visão fria, pragmática e impessoal. É necessário transcender o olhar imediato sobre as gerações presentes—o que pode ser politicamente desafiador em democracias, já que são justamente essas pessoas que votam. É preciso, então, ampliar o olhar para um horizonte mais longo, talvez de cem a duzentos anos. 

A primeira alternativa, embora aparentemente mais generosa no curto prazo, estabelece um novo status quo incapaz de se sustentar autonomamente; qualquer oscilação econômica ou crise conjuntural inevitavelmente lançará novamente as pessoas à miséria. Ou seja, é um mecanismo de curto prazo que não cria robustez e nem resiliência. 

A segunda alternativa, contudo, reduz imediatamente em 25% o contingente de pessoas extremamente pobres e, ainda mais importante, cria as bases econômicas necessárias para que esse número continue diminuindo progressivamente, com o surgimento de uma classe média capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico e social sustentável ao longo do tempo. 

A diferença entre a alternativa que trata o sintoma e a que trata a causa é tão profunda a ponto de criar uma neblina no julgamento da sociedade em todo o mundo. A pobreza só pode ser erradicada se tratada de forma holística, no entanto, ONGs e estruturas departamentais do governo têm mandato apenas para tratar uma única dimensão do problema, seja ela educação, saúde ou saneamento, por exemplo. 

Daí a importância de criar soluções integradas por meio de cidades ou micro-cidades autônomas. Primeiramente, é necessário um único projeto que centralize o máximo de orçamento para criar uma nova realidade. Segundo, um único operador capaz de sincronizar o conjunto de soluções, desde infraestrutura e emprego até saúde, educação, passando por lazer e meio ambiente. Terceiro, um projeto que seja extremamente rentável ao investidor privado cria incentivo para a alocação de capital crescente ao longo do tempo.

As pessoas do terceiro setor que se dedicam a solucionar questões sociais pensam: “a situação me comove, como eu, dentro do que sei e gosto de fazer, posso ajudar”. O que é diferente de perguntar: “é terrível o que essas pessoas passam, o que precisa ser feito para resolver o problema em questão”. Agora imagine isso em escala global, e fica claro por que apesar de tanto capital e pessoas excelentes envolvidas no combate a pobreza a questão persiste. O desafio requer capital financeiro e humano, organizados em uma determinada sequência dentro de uma visão holística pré-estabelecida.. 

Imagine a criação de um ecossistema estruturado seguindo o conceito da pirâmide de Maslow, no qual existe uma hierarquia lógica entre suas diferentes camadas. Investir em educação em um local onde as temperaturas chegam a 50 graus e faltam alimentos básicos dificilmente trará bons retornos sobre o capital investido. Temos que nos debruçar sobre a pergunta: o importante é sentirmos-nos bem com nossas ações ou resolver de forma definitiva este sério desafio? Curiosamente, a resposta é conhecida há séculos e está diante de nossos olhos: a cidade.

Propomos especificamente a implementação do conceito “Cidade 5.0”. Trata-se de um projeto no qual grupos privados competirão por meio de um sistema de concorrência para adquirir terrenos e desenvolver pequenas cidades planejadas, com capacidade máxima de cinquenta mil habitantes. A decisão de manter o projeto em escala reduzida é estratégica, pois o ser humano tem maior facilidade em solucionar problemas menores; grandes desafios só podem ser superados quando divididos em partes mais manejáveis.

O consórcio vencedor do processo licitatório será responsável pela implementação completa da infraestrutura local: saneamento básico, energia elétrica, telecomunicações, moradias, educação, saúde e áreas de lazer – além da gestão do dia a dia. Para a prefeitura, os benefícios são claros: atração de investimentos privados imediatos, redução significativa de gastos públicos com essa parcela específica da população e possibilidade de reinvestir os recursos economizados em outras áreas prioritárias. Além disso, uma população mais rica paga mais impostos. Dessa forma, a sociedade, a prefeitura e o setor privado ganham. 

Atualmente, não existem mecanismos efetivos que responsabilizem gestores públicos pelo desempenho na administração. Prefeitos que não cumprem suas metas não sofrem consequências reais, mantendo seus mandatos mesmo diante de resultados negativos. 

Entretanto, na proposta Cidade 5.0, haverá uma obrigação contratual rigorosa para a erradicação da pobreza, estabelecida por métricas claras e pré-definidas de desempenho. Caso o operador não apresente melhorias consistentes nos indicadores sociais por três anos consecutivos, será aberta uma nova licitação para substituí-lo. Por outro lado, grupos que atinjam metas expressivas de bem-estar social e investimentos poderão ter suas concessões por até 100 anos. 

Ao estabelecermos um modelo que gera benefícios econômicos concretos por meio da erradicação da pobreza, sustentado por uma metodologia transparente e objetiva, criaremos uma verdadeira “indústria da pobreza zero”. Famílias como a de Maria poderão então desfrutar da qualidade de vida comparável à encontrada em uma pequena Singapura, atraindo assim novos investimentos para futuras cidades, numa cadeia sustentável de desenvolvimento social e econômico.

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No dia 28 de maio, em São Paulo, o evento “Cidade 5.0 – Quando a Erradicação da Pobreza é um bom Negócio” reunirá executivos, líderes empresariais e governamentais para discutir e impulsionar essa transformação. Sua participação é fundamental para colocarmos um ponto final em uma realidade que assombra o Brasil há séculos. 

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