
Aldo Vannucchi, que foi preso de batina e com a Bíblia na mão durante a ditadura militar em Sorocaba (SP), ressalta a importância de falar sobre este período da história brasileira e relembra a morte do sobrinho, Alexandre Vannucchi Leme. Alexandre Vannucchi Leme
Arquivo Pessoal
A história da família de Eunice e Rubens Paiva, contada no longa-metragem “Ainda estou aqui”, que conquistou o prêmio de Melhor Filme Internacional no Oscar®, colocou luz à história de diversas outras pessoas que também foram vítimas da ditadura militar.
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Entre essas pessoas, está o jovem de Sorocaba (SP) Alexandre Vannucchi Leme, que foi morto aos 22 anos nas dependências do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), na capital, em 1973.
Ele estudava geologia na Universidade de São Paulo (USP) e conhecido por gostar de terra, tanto que recebeu o apelido de Minhoca. O jovem franzino, de óculos, se tornou símbolo da luta pela liberdade.
O tio de Alexandre, Aldo Vannucchi, que também foi preso na época pelo regime militar, falou em entrevista à TV TEM sobre a importância do cinema retratar este período da história brasileira.
“Mais do que vitória para o cinema nacional, é uma vitória para aqueles que lutam contra a ditadura que nós sofremos. A morte do Rubens Paiva é um exemplo que se repetiu em 1971, 72 e 73 e vai longe. E não pode continuar mais. Essa ditadura, contada em breves traços, mas traços candentes e importantes num filme vencedor, mostra uma realidade que nós precisamos sempre lembrar. Não por masoquismo patriótico, falso, mas para defender aquilo que é fundamental em qualquer país: o respeito a pessoa humana”, afirma.
Aldo Vannucchi, que foi preso de batina e com a Bíblia na mão durante a ditadura militar, ressalta a importância de falar sobre este período da história
Fernando Bellon/TV TEM
Aldo relembra que, assim como no caso de Rubens Paiva, Alexandre foi preso, torturado e morto, e a família só conseguiu as cinzas do corpo do estudante anos depois do desaparecimento.
“Há, infelizmente, milhões de brasileiros que ainda insistem em apelar para uma ditadura para resolver os problemas do país. E, como alguém que viveu essa realidade triste, tenebrosa da ditadura, no golpe de 1964, eu posso dizer com muita autoridade: quem defende a ditadura, defende a censura, defende a tortura, jovens que foram mortos, como o meu sobrinho”, ressalta Aldo.
Funeral de Alexandre em Sorocaba (1983)
Arquivo Pessoal
Para ele, quem conheceu a ditadura por meio dos livros, dos filmes e de outras representações artísticas pode não compreender que as repressões que ocorreram naquele período não ficaram apenas nos grandes centros urbanos. A violência também atingiu cidades do interior, como Sorocaba.
“Aquela página triste, daquela família Paiva, lá no Rio de Janeiro, se repetiu em muitas outras famílias. Eu vi muita casa fechada, janelas fechadas em Sorocaba naqueles dias terríveis, porque ali morava um líder sindical, morava um líder operário ou havia um estudante considerado perigoso. E a família se fechava, porque a polícia ia atrás”, relembra.
À esq., foto de família com Eunice, Rubens e Babiu (filha caçula) no Rio em 1970 (à dir., cena do filme)
Arquivo Pessoal de Vera Paiva/Divulgação
Aldo compara o período do regime militar com situações enfrentadas nos dias atuais por populações minoritárias.
“Nós estamos num tempo legalmente chamado de democracia, mas eu vejo muitos abusos. Pessoas negras perseguidas, pessoas pobres perseguidas. E aí os horrores de uma polícia violenta, de autoridades que sacramentam essas atitudes erradas”, analisa o sorocabano.
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Diploma honorífico
Em 2023, 50 anos após ser morto, a família de Alexandre Vannucchi recebeu a diplomação honorífica entregue pela USP.
Alexandre era o filho mais velho de seis irmãos. A missão de receber o diploma da universidade ficou para a caçula da família, Maria Beatriz Vannucchi. Pelas redes sociais, o primo do jovem celebrou a conquista dos dois.
“Alexandre Vannucchi Leme, patrono do DCE-Livre da USP, e Ronaldo Mouth Queiroz, seu veterano na universidade e na ALN, recebem diplomas honoríficos de geólogos no Instituto de Geociências, 50 anos após seu assassinato pela ditadura militar. Outros 31 estudantes da USP mortos pela repressão durante a graduação deverão receber diplomas simbólicos no próximo ano”, publicou.
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Camilo Vannucchi
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