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O último desfile do primeiro dia do Carnaval de Florianópolis ficou por conta da segunda escola de samba mais antiga da capital catarinense, a Embaixada Copa Lord. Com um enredo homenageando Hassis, pintor importante para a cultura manezinha, a escola agitou a torcida com o show da sua bateria e emocionou os foliões que dançaram na avenida.
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À frente dos ritmistas, a Rainha de Bateria Caroline Maier trouxe uma ‘explosão de cores’ em seus adereços na cabeça – Foto: Divulgação/Mafalda Press/ND
Samba-enredo
Em 2025, a Copa Lord entrou na avenida com uma homenagem à arte. O enredo contará a história de Hiedy de Assis Corrêa, o Hassis (1926-2001), pintor curitibano radicado em Florianópolis e apaixonado pelo carnaval. O tema foi desenvolvido em parceria com a Fundação Hassis, fundada pelas filhas do homenageado, Leilah e Luciana.
O carnavalesco William Tadeu explicou que a escola buscou entender o olhar de Hassis sobre o mundo para refleti-lo no enredo. “O Hassis é arte e a identidade de Florianópolis, então a preparação foi se inspirar nas telas dele, entender como ele representa a cidade e traduzir isso, fazer a comunidade entender. E o pessoal comprou muito a ideia”.
A letra celebrou a arte e a cultura popular, destacando a relação entre a magia da pintura e a vivência do povo, especialmente do morro. Através de Hassis, o samba se conecta com a obra que traduz o universo das ruas manezinhas, fazendo referências a Itaguaçu, ao vento sul e ao mar, ao passo que revela a força das tradições populares, como o boi-de-mamão, a procissão e o palhaço, que perpetuam a identidade da cidade.
No entanto, as desigualdades sociais e os dilemas da humanidade não ficaram de fora. A letra também denunciou essas mazelas usando a arte como uma forma de resistência e de questionamento. O samba trouxe à tona as lutas contra os preconceitos e as injustiças, destacando a “rebeldia” e a “ousadia” de Hassis e propondo um movimento de renovação, onde o carnaval se torna uma celebração da liberdade e da esperança de um recomeço criativo na busca pela transformação.
O desfile de 2025 é o primeiro da Copa Lord, em muitos anos, sem Seu Lidinho, icônica figura da escola e do Carnaval de Florianópolis, falecido em agosto do ano passado. “A gente se emocionou bastante durante todo o processo, né? É uma figura que a gente sempre lembra e está todo mundo emocionado também para honrar a memória dele. Com certeza ele está aqui entre nós hoje”, pontuou Tadeu.
Alas e setores
O desfile da Embaixada Copa Lord foi dividido em quatro setores:
- 1º setor: “A Paisagem nos Traços de Hassis”
- 2º setor: “O Povo nos Traços de Hassis”
- 3º setor: “A Humanidade nos Traços de Hassis”
- 4º setor: “O Carnaval dos Eternos Traços de Hassis”
A Comissão de Frente foi caracterizada com as enigmáticas bruxas da Praia de Itaguaçu, na porção continental de Florianópolis, dentro de molduras telas, simbolizando as pinturas de Hassis.
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As ‘Bruxas de Pedras’ da Comissão de Frente carregaram molduras em referência às pinturas de Hassis – Foto: Geovani Martins/ND
O primeiro setor contou com três alas – Vento Sul com Chuva; Marujos do Cais; e O Sol Resplandece pelo Cais, composta pelas baianas com vestidos amarelo e vermelho, as cores da escola.
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As baianas da Copa Lord foram caracterizadas com as cores da escola – Foto: Geovani Martins/ND
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira seguiu na entoada de Itaguaçu e celebrou as cores do mar da praia. No entanto, não foram as cores literais, mas sim os tons além dos naturalistas, como vistos pelos olhos do pintor.
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Primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Copa Lord trouxe as cores das águas de Itaguaçu como vistas através dos olhos de Hassis – Foto: Divulgação/Mafalda Press/ND
O primeiro carro alegórico, denominado de “Relicário das Memórias de Hassis”, se destacou pela estátua do pintor feita em papel kraft. Ao invés de ser uma escultura realista, a escola optou por utilizar respingos e pinceladas de cores diversas. Segundo a Copa Lord, a escolha foi para representar “a essência do artista”.
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O ‘Relicário das Memórias de Hassis’ trouxe muitas luzes, uma escultura colorida feita em papel kraft e o nome da escola em caixa alta no topo – Foto: Divulgação/Mafalda Press/ND
No segundo setor, foi a vez de outras seis alas se apresentarem – Boi-de-Mamão; Bernunça (ala das crianças); Festa do Divino; Palhaços da Ilusão; Personagens da Alegria (bateria); Magia Circense (passistas).]
O segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira trouxe o encontro da Nossa Senhora com o Senhor dos Passos, duas das procissões religiosas mais emblemáticas de Florianópolis
Segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira da Copa Lord – Vídeo: Lucas Fantinatti/ND
A bateria foi um show à parte. Com um grande repertório de bossas – ou “paradinhas” -, os ritmistas demonstraram domínio sobre o tempo da música e não deixaram a “peteca cair” em nenhum momento de virada no samba.
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A bateria foi um dos grandes destaques do desfile da Copa Lord – Foto: Geovani Martins/ND
O terceiro setor trouxe mais cinco alas – O Anjo dos Pecados Capitais; Contestado – Guerra de Desiguais; Farra do Boi Torturado; Humanidade; e Via Crúcis no Ontemanhã.
O quarto e último setor trouxe as sete alas finais – O Chão da Praça XV; Rendas, Peixes e Pipas no Aeroporto; Berbigão do Boca – Aqui Ninguém Pode Dormir; Brincando de Zorro (passistas mirim); Lembrança dos Antigos Carnavais (Velha Guarda); Convidados da Festa (amigos de Hassis); e Amigos da Copa Lord.
Uma das cenas marcantes foram as destaques de chão do último setor, composta por mãe e filha. Aline Mombelli e sua filha, Lara Koerich, entraram com uma fantasia decorada com penas gigantes, simbolizando os raios de sol que “iluminam novas gerações no Núcleo de Educação Infantil”, segundo a escola.
Lara, hoje aos 22, voltou a desfilar depois de sete anos. “A emoção está gigante para hoje. Eu estava esperando tanto por esse momento, é muita animação voltar para a passarela. E ainda tive que que voltar a ensaiar depois de todo esse tempo. Não foi fácil, foi uma batalha. Mas hoje eu estou muito emocionada por estar aqui”.
A mãe, Aline, conta que já desfila há bastante tempo na escola e que Lara já era da amarelo e vermelho antes mesmo de nascer. “A Copa está na família, no sangue. Ela [Lara], desde que estava na minha barriga, já estava na Copa Lord”, relembra, com um sorriso no rosto.
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Aline Mombelli (à frente) e Lara Koerich (ao fundo), mãe e filha, desfilaram juntas como o destaque do quarto setor do desfile da Copa Lord – Foto: Geovani Martins/ND
O terceiro casal de mestre-sala e porta-bandeira remontou ao papel de Hassis como decorador de bailes de carnaval, em especial das grandes festas do Clube Doze de Agosto nas décadas de 1970 e 1980.
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Terceiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Copa Lord – Foto: Geovani Martins/ND
A ala do Berbigão do Boca também chamou atenção ao trazer um boneco gigante representando Hassis, dessa vez, de maneira mais realista. Ironizando a marchinha “Aqui Ninguém Pode Dormir!”, cantada pelos foliões do bloco, o boneco foi representado em pijamas.
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Ala de referência ao Berbigão do Boca trouxe Hassis em pijamas, ironizando o canto de ninguém pode dormir no bloco – Foto: Geovani Martins/ND
Segundo carro alegórico, que fechou o desfile, foi decorado com folhas de bananeira e cabeças de personagens carnavalescos nas laterais, com as próprias netas de Hassis dançando em cima do veículo. Na parte da frente, Leilah e Luciana, duas filhas do pintor, também estiveram festejando.
Chegando no final da pista, na parte das arquibancadas, a torcida da Copa Lord também esteve presente, cantando o samba-enredo junto aos intérpretes, balançando bandeiras e soltando fogos. Percebendo o ânimo do público, a bateria e os intérpretes chegaram a fazer uma pausa para deixar o som das arquibancadas entoar pela avenida.
Sobre a Embaixada Copa Lord
A Embaixada Copa Lord foi fundada em 1955 por Abelardo Blumenberg, o Avez-Vous (ou Avevú), e amigos, após perceberem uma decadência do carnaval em Florianópolis. Inicialmente chamada “Os Garotos do Ritmo”, estreou com o samba “Tiradentes” e surpreendeu com seu desfile.
Ao longo de sua história, a escola se consolidou como uma das mais tradicionais do carnaval da cidade, representando a união entre as comunidades negras e brancas no samba. É a segunda maior campeã entre as escolas de samba de Florianópolis, com 20 títulos – o último em 2018. Atualmente, a Copa Lord é presidida por Fernanda Lima, segunda mulher na história da instituição a ocupar o posto.