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Em entrevista ao g1, ator em cartaz nos dois filmes falou sobre relação com religião, o que atrai brasileiros ao gênero e como prêmios podem ajudar produções nacionais. Dan Stulbach tem acompanhado de perto o grande momento do cinema brasileiro. Parte do elenco do celebrado “Ainda estou aqui”, ele protagoniza agora “Fé para o impossível”, filme religioso baseado em fatos em cartaz no país desde quinta-feira (20).
O filme dirigido por Ernani Nunes (“No ritmo da fé”) conta a história real da família Murdoch, que em 2012 foi abalada quando um ataque aleatório no Rio de Janeiro deixou Renee (interpretada por Vanessa Giácomo) em estado gravíssimo.
Stulbach interpreta o marido da vítima, o pastor Philip, autor de vídeos periódicos com seus quatro filhos para pedir orações pela mulher. A obra é uma adaptação do livro “Dê a volta por cima”, escrito pelo casal.
Na conversa com o g1, o ator de 55 anos fala sobre sua relação com religião, o que atrai tanto o público brasileiro a “filmes espirituais”, celebra o sucesso de “Ainda estou aqui”, comenta o impacto da produção no cinema nacional e conta até a história de como adotou um cachorro durante as gravações.
Leia a entrevista abaixo, editada para clareza:
Dan Stulbach e Vanessa Giácomo em cena de ‘Fé para o impossível’
Stella de Carvalho/Divulgação
G1 – Você já interpretou Deus em uma peça. O que te atraiu especificamente nesse filme?
Dan Stulbach – Entrar em um universo que eu não tinha entrado nunca dessa maneira, né. Um universo que eu conheço pouco – sendo um pastor, enfim, coisas ali objetivas que eu não conhecia.
Teve esse desafio. Depois, eu descobri que a história era real – quando li, eu não sabia. Aí eu fiquei mais encantado. Achei bem bem mais interessante de fazer.
Eu sempre digo isso, né? Acontece umas coisas absurdas na vida, que se é em um filme a gente fala que esse filme é ruim, mas a vida é muito mais absurda, né? O que tornou tudo mais interessante.
Ah, e foi um pedido carinhoso. As pessoas eram legais também. Então, tudo se junta, mas poder fazer uma obra para todo mundo, uma obra popular para todas as pessoas, que emocionasse as pessoas e também diferente do que eu vinha fazendo.
Acho que eu tento fazer umas coisas diferentes aqui e ali, tentando não me repetir.
G1 – E o filme com mensagem religiosa acabou se tornando um gênero mesmo no cinema brasileiro. Por que você acha que o público gosta tanto desse tipo de obra?
Dan Stulbach – O povo brasileiro é um povo muito religioso, é um povo muito de fé, é um povo que acredita muito no improvável, né? Acredita muito – não vou dizer impossível que é o nome do filme. Pode parecer piegas (risos) – nas coisas que não são óbvias, nem prováveis, de acontecer.
Desde o futebol até sermos o povo que mais aposta. Quer dizer, no bom e no ruim, eu acho que a presença do improvável é muito grande. Está na nossa cultura.
Sei lá, alguns vão dizer que está na melancolia natural do país que foi descoberto e formado por pessoas que vieram de algum lugar. Portanto, já tinham em si a esperança e a saudade daquilo que não tinham.
Da história da gente ter ouvido o tempo inteiro em nossas vidas que a gente é o país do futuro. Portanto, é esperança em alguma coisa, né? Quer dizer, você cresce imaginando algo em um país que você ainda não é.
Seja por qualquer um desses motivos, o Brasil é um país onde a fé é muito, muito presente.
Eu acho que o movimento cinematográfico de filmes espirituais, que falam da espiritualidade, tem mais a ver com a nossa solidão, com o nosso vazio, com a nossa busca por algo que fuja da realidade do que propriamente qualquer outra coisa.
Eu acho que a realidade brasileira tem sido muito dura há muito tempo. As notícias, o dia a dia, tem sido tudo muito difícil. Então, acho natural que as pessoas resguardem a sua esperança, essa sua carência de um mundo mais generoso para esses momentos, sabe?
Arte pode cumprir esse papel também. O Paulo Autran, né? Eu fiz essa peça do meu Deus com a Irene Ravache.
Ah, o Paulo Autran, com quem eu fiz o espetáculo, ele falava: “As pessoas vão ao teatro para lembrarem de que elas poderiam ter sido”. E eu acho isso um lugar bonito para cultura estar às vezes também.
Dan Stulbach, Theo Medon, Bella Alelaf e Arthur Biancato em cena de ‘Fé para o impossível’
Stella de Carvalho/Divulgação
G1 – Isso me leva a duas perguntas. A primeira vem de uma entrevista sua de 2016, exatamente sobre essa peça, na qual você disse que não sabia se você acreditava na existência de Deus ou não. Isso mudou nesses últimos anos? Como é que tem sido a sua relação com a religião?
Dan Stulbach – Falei isso, foi? (risos) Não, eu sou de ascendência judaica, né? E a questão que o judaísmo, pelo menos na minha casa, era muito mais cultural do que realmente religiosa. Até pela nossa história de família.
Então, acho que a crença em algo maior, pelo menos no meu caso, como foi dos meus pais, era um vai e volta. A religião judaica, ela te promove esse questionamento, faz parte dela o seu questionamento.
Então, acho que é nesse sentido de você estar sempre questionando, rediscutindo tudo. E então acho que era nesse sentido.
Sempre se brinca, né? Dois judeus, três opiniões. Aí tem um monte de piadas aqui que eu poderia contar, mas ia estourar o tempo. Mas é, em relação a isso, acho que ter uma formação inquisidora sempre, que não aceita fácil as coisas e que questiona.
G1 – O cinema tem se tornado cada vez mais uma experiência em si, nessa época de streaming, de todas essas outras possibilidades de assistir a filmes. Então, tem agora essa discussão sobre se filmes menores – sem grandes espetáculos, sem grandes explosões – atraem o público. Ao mesmo tempo, a gente vê que filmes sobre espiritualidade, como você bem colocou, têm conseguido muita audiência no Brasil. Você acha que eles acabam se encaixando um pouco nessa questão da experiência de ir ao cinema, já que há essa experiência coletiva ali na sala?
Dan Stulbach – É, porque se dizia que depois da pandemia os cinemas iam deixar de existir, daí veio ‘Oppenheimer’ e ‘Barbie’, lotam os cinemas, e as pessoas percebem que a experiência do cinema é completamente diferente da experiência do streaming, né?
E a gente percebe que rir juntos é muito mais legal do que rir sozinho em casa e que chorar juntos também é muito mais legal do que chorar sozinho.
Se bem que, existe gente que afirma que o novo movimento do cinema vai mais favorecer as comédias do que os dramas, porque tem gente que tem vergonha de chorar na frente dos outros.
Mas, independente de uma coisa ou não, eu acho que esses filmes de superação – eles combinam com a questão do ritual da sala de cinema, sabe? É gostoso de ver juntos e de alguma maneira replicar esse movimento que o filme provoca de ser um sentimento de fé coletiva, sabe?
De algum jeito uma coisa combina com a outra, conversa com a outra. E talvez esse caminho da experiência seja a grande salvação do cinema mesmo. Eu vou ao cinema e você vai ao cinema, porque a gente gosta, para qualquer filme, mas talvez para as pessoas que não têm essa possibilidade vão escolher o momento de maior experiência.
E daí eu acho que esse momento de maior experiência é um momento onde o filme é grandioso ou ele tem um significado diferente ao serviço coletivamente. O cinema está procurando o seu caminho o tempo todo para continuar existindo e continuar tendo sentido.
G1 – E você está no filme que é você tem mexido com a cabeça de todo mundo.
Dan Stulbach – Thank you to the Academy (Obrigado à Academia, em inglês).
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G1 – (risos) Exatamente. É o momento de ‘Ainda estou aqui’. Eu lembro que, ali no final dos anos 1990, o brasileiro viu um momento com “O quatrilho”, “O que é isso companheiro?”, “Central do Brasil” e até, um pouquinho depois, “Cidade de Deus”. Foi uma leva que motivou o cinema nacional e fez o público olhar para ele, ao mesmo tempo em que o resto do mundo também olhava. Você acha que ‘Ainda estou aqui’ tem essa força?
Dan Stulbach – Sim, tem essa força, porque diferentemente daquela época que você está falando, que foi maravilhosa também, hoje a gente tem os streamings, né? E os streamings de alguma maneira pulverizam as possibilidades de produção.
Então, se de alguma maneira naquela época o cinema tinha seus estúdios, e toda a produção cinematográfica com mais força morava ali, hoje os streamings são mais plurais, têm produções locais, têm coisas acontecendo.
Então, um filme como esse, que chega onde ele está chegando, e tomara chegue ainda mais longe com as premiações, ele traz investimento e visibilidade de qualquer maneira.
Não só para as pessoas diretamente ligadas ao cinema, mas para o movimento todo, né? E traz muito mais interesse do público brasileiro em ver cinema brasileiro e do público do mundo todo.
Talvez o único ponto que a gente tenha errado lá atrás foi esse. Não conseguir transformar um momento sensacional em uma trajetória espetacular de vários filmes.
Porque no cinema, como qualquer arte, a qualidade também sai da quantidade. Quanto mais filmes forem feitos, filmes incríveis não serão exceção, né? Porque a gente tem mais filmes e mais gente produzindo e mais facilidade para que novos cineastas surjam.
Dan Stulbach interpreta Baby Bocaiuva em ‘Ainda estou aqui’
Divulgação
Então, talvez isso aconteça agora, principalmente porque com o streaming mais coisas vão ser feitas. Eu pelo menos torço e vejo esse caminho.
Acho que as pessoas lá fora vão atrás da Nanda (Torres), pesquisar a Nanda, e vão encontrar outros atores incríveis e quando vier para fazer filme no Brasil, e produzir no Brasil, não vai ser só uma locação como é hoje em dia, e sim uma troca verdadeira.
A gente não tem as respostas, mas eu acho que ‘Ainda estou aqui’ talvez seja o elemento mais forte e poderoso de transformação da produção cinematográfica brasileira que surgiu nos últimos anos. A frase é pomposa, mas eu acredito nela para valer.
Eu tenho a impressão que o cinema virou assunto, sabe? O cinema virou assunto em todos os lugares. Gente que não falava de cinema vem falar de cinema para mim.
G1 – E, para finalizar, você tem uma foto ali com um cachorrinho…
Dan Stulbach – Cachorrinho? É um rhodesian. O cara é grande, hein?
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G1 – Ah, é. É que tinha visto na miniatura. Abri agora e vi que é um cachorrão (risos).
Dan Stulbach – Pior que essa história eu nunca contei. Vou falar rápido. É um furo. Eu adotei o Kim na filmagem do ‘Ainda estou aqui’.
Tinha a criadora de cachorro do filme, a In-Coelum (Perdigão). Ela ia sempre lá com o cachorro que interpretava o Pimpão, mas levava mais uns outros que ela criava. E eu sempre me dei muito bem com o Kim.
Daí, quando acabei minha parte no filme, eu estava no aeroporto para voltar para São Paulo, que eu moro lá, e liguei para ela para saber se não era possível adotar o Kim, sem saber se ele ia querer. Ela falou para a gente tentar.
Eu aluguei um carro, encontrei ela no carro dela, ele saiu e foi direto para o meu, daí eu vim com ele para São Paulo direto.