Filho desfila com boneco do pai há 18 anos em festa que abre Carnaval de rua em Florianópolis: ‘Continuar o legado’, diz


Patrimônio cultural imaterial do município, o ‘Berbigão do Boca’, como é conhecido o evento, inicia a temporada de folia na cidade nesta sexta-feira (23). Festa reúne 150 mil pessoas por 12 horas anualmente. Sidnei de Paula ao lado do boneco em homenagem ao pai, Carlinhos da Tuba, para o Berbigão do Boca
Sofia Mayer/ g1
Há 18 anos, o Carnaval ganhou um significado diferente para Sidnei de Paula, de 53 anos. Desde a edição de 2007 do Berbigão do Boca, bloco que tradicionalmente abre a folia em Florianópolis e reúne cerca de 150 mil pessoas por 12 horas, o pintor carrega consigo o boneco que chega a 3 metros de altura que homenageia o pai, Carlinhos da Tuba, pelas ruas centrais da cidade (foto acima).
“A importância é continuar o legado que ele deixou, a alegria”, disse Boquinha, como é conhecido. O pai integrava a Amor e Arte, banda do Berbigão, e morreu em 2010.
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A escultura é uma das 43 já criadas pelo artista Alan Cardoso para o bloco, que em 2025 acontece nesta sexta-feira (21). Diferente de outras festas ao redor do país, segundo ele, no Berbigão apenas pessoas que já morreram são homenageadas (veja mais abaixo).
O boneco de Carlinhos da Tuba estreou na festa em 2006, junto com homenagens a Serratine, que também integrava a banda, e ao carnavalesco Yoldory Bittencourt.
Sidnei não participou daquela edição do evento e precisou ser convencido pelos músicos a carregar o boneco no ano seguinte. Hoje, não consegue imaginar outra pessoa levando a escultura do seu pai.
“Eu levava o instrumento para ele. Toda hora que a banda ia tocar, eu estava sempre junto com ele, levando seu instrumento. No primeiro ano eu não vim, não consegui, foi um choque”, contou.
🎉 Patrimônio cultural imaterial do município, segundo a lei nº 8812/2012, o Berbigão do Boca inicia a temporada de folia na cidade e reúne cerca de 150 mil pessoas, de todas as partes da cidade, durante 12 horas de programação.
A maior movimentação se concentra à noite, quando os 43 bonecos, contando com a escultura que estreia neste ano (vídeo abaixo), desfilam pelas ruas do Centro da cidade, carregados pelos seus bonequeiros.
Bonecos de Berbigão do Boca são inspirados em personalidades de Florianópolis
Todos são criação do artista Alan Cardoso, que conviveu com a maior parte dos homenageados.
“Os bonecos são um personagem de uma pessoa. Elas viraram bonecos. É uma continuidade dele. Poderia dizer que, se existe vida após a morte, seria isso: o Berbigão do Boca. Primeiro, que só faz boneco de morto. E, segundo, é que eles revivem e voltam a ser”, brinca.
Para o artista visual Denilson Antonio, aprendiz de Alan, que o ajuda na confecção artesanal, esse “culto aos mortos”, como ele chama, é o que coloca o Berbigão do Boca em destaque em relação a outras festas com grandes bonecos.
“Ele tem essa questão de cultuar os mortos, trazer os mortos de volta à vida. É uma coisa bem diferente, porque nas outras festas, em outros estados que têm os bonecos, os bonecos são vivos, são homenageados. E aqui tem que morrer para virar boneco”, comentou.
🪆 Raio-x dos bonecos:
Qual o material? Moldadas no barro, as esculturas são revestidas com fibra de vidro para dar a leveza aos personagens. Após a secagem, finalizam com a pintura.
Quanto tempo para fazer? Segundo Alan, a produção leva em torno de 15 dias.
Quem paga por eles? Os recursos vêm de leis de incentivo à cultura, patrocínios e venda de camisetas da festa.
Quanto pesam? Em média, os bonecos pesam 10 kg.
Quanto medem? As esculturas têm alturas diferentes. Em geral, sem os bonequeiros, medem cerca de 1,80. Ao serem carregados, passam de 3 metros.
Alan Cardoso, criador dos bonecos, e Denilson Antonio, seu aprendiz, ao lado da escultura de Lídio Augusto Costa
Sofia Mayer/ g1
Inspiração
Embora a inspiração inicial venha do Carnaval de Olinda (PE), os bonecos têm elementos típicos da cultura da Ilha que os diferenciam de outras festas ao redor do país, segundo o artista Alan Cardoso.
Os personagens, segundo ele, lembram as Maricotas do Boi de Mamão, uma das mais expressivas manifestações folclóricas de Florianópolis e região. Muitas das técnicas utilizadas vêm dessa cultura.
Entenda brincadeira do boi de mamão, patrimônio imaterial de Florianópolis
✂ Os bonecos são confeccionados em fibra de vidro e têm modelagem em barro, com algumas variações nos detalhes, que foram sendo refinados ao longo dos anos, e levam cerca de 15 dias para ficarem prontos.
📏 Para reproduzir a imagem dos homenageados, Alan busca fotos como referência e não se apega a cálculos. Faz tudo no olhômetro, segundo ele.
“A minha [escultura] é uma coisa que sai, que brota da inspiração. É o barro: tu moldas, tiras, botas”, explica.
💸 Cada produção custa em torno de R$ 7 mil, segundo o diretor financeiro do bloco, Leonardo Garofallis. Os recursos vêm de leis de incentivo à cultura, patrocínios e venda de camisetas da festa. O valor paga também outras despesas da festa, incluindo o trabalho dos artistas.
Alan Cardoso fala sobre boneco do Berbigão do Boca inspirado em Beto Stodieck
‘Multiplicação em boneco’
A cada ano, de forma paradoxal, uma nova escultura é adicionada à família do Berbigão do Boca. Alan chama esse ato de reviver personagens ilustres de “multiplicação em boneco”.
Em 2025, a escultura estreante homenageia Lídio Augusto Costa, o Lidinho, que morreu em 2024 aos 83 anos. Era o passista mais antigo do Carnaval de Florianópolis e teve sua vida ligada à escola Embaixada Copa Lord.
A representação de seu Lidinho foi concluída neste mês. O g1 conferiu o momento em que o bonequeiro (pessoa responsável por manipular o boneco nas ruas) Randal Gabriel de Jesus Teixeira, de 20 anos, o carregou pela primeira vez, em 12 de fevereiro, e arriscou reproduzir um passinho do carnavalesco.
Alan, que também dirige a apresentação dos bonecos, deu sua opinião:
“Ai, que lindo! Dá-lhe, Lidinho! Exagera um pouquinho mais, Lidinho. Exagera um pouquinho mais no Lidinho. Exagera mais o passinho”, disse Alan, se referindo aos passinhos típicos do carnavalesco.
O boneco, assim como os 42 demais, estavam expostos ao lado do Mercado Público (veja foto abaixo).
Lidinho sendo carregado pelo bonequeiro Randal Gabriel de Jesus Teixeira, de 20 anos
Sofia Mayer/ g1
Segundo o artista visual Denilson Antonio, que ajuda o Alan nas construções e reformas, o bonequeiro deve incorporar, de certa forma, a essência do homenageado. “Eu brinco que é a alma do boneco, porque é o que dá vida a ele”, diz.
Quem são os bonecos?
Segundo Alan, todos tem alguma ligação com o Carnaval de Florianópolis. Muitos conviviam juntos enquanto eram vivos (veja lista dos nomes abaixo).
O primeiro, uma homenagem ao músico Luiz Henrique Rosa, estreou em 1997 – quatro anos após a primeira edição do Berbigão do Boca. É o único feito em papel no lugar da fibra de vidro. Com uma longa trajetória musical, inventou com Décio Bortoluzzi a banda Mexe-Mexe, que revolucionou o Carnaval de rua de Florianópolis.
1997: Luiz Henrique Rosa
1998: Lagartixa
1999: Zininho e Nego Tuca
2000: Paru e Neide Mariarosa
2001: Djalma do Piston e Beto Stodieck
2002: Meyer Filho e “Negão” Tenente
2003: Bia Rosa
2004: Pedrinho do Pandeiro
2005: Aldírio Simões de Jesus e Miro
2006: Yoldory Bittencourt, Serratine e Carlinhos da Tuba
2008: Bulcão Viana, Ricardinho Bavasso e Ademar Ben Johnson
2009: Tullo Cavalazzi, Avez-Vous e Ariel Bottaro
2010: Hélio Cabrinha e Dedão
2011: Mestre Dica e Adilson Coelho
2012: Peteleco e Franklin Cascaes
2013: Carlos Magno e Paulo Dutra
2014: Maestro Mendes, Torrado Pessi e Nega Tide
2015: Pitanga
2016 Hassis e Arsênio
2018: Maurício Amorim
2019: Túlio Carpes
2020: Hernani Hulk
2023: Dico (Osvaldo Gonçalves)
2024: Rato (Nilton Eliseu da Silva)
2025: Lídio Augusto Costa (seu Lidinho)
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