Filhote de uma das aves mais raras do Brasil nasceu sob cuidados humanos no Parque das Aves, em Foz do Iguaçu (PR). Filhote uru-nordestino nasceu em cativeiro
Parque das Aves
Em um momento crucial para a preservação da avifauna brasileira, o Parque das Aves, em Foz do Iguaçu (PR), registrou o primeiro nascimento de uru-nordestino (Odontophorus capueira plumbeicollis) sob cuidados humanos em todo o mundo.
Pesando 12 gramas e medindo 4,5 centímetros, o filhote representa um marco para a conservação de uma das espécies mais raras da Mata Atlântica nordestina. O animal é atualmente classificado como Criticamente em Perigo (CR) de extinção.
O feito é resultado de um esforço conjunto entre o Parque das Aves, a Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Filhote de uru-do-nordeste se alimentando
Parque das Aves
“Essa nova vida simboliza o sucesso de um trabalho arduamente planejado e executado em parcerias entre governo e instituições dedicadas ao cuidado dessa espécie. Ele é uma prova de que podemos reverter o destino de espécies em perigo”, comenta Paloma Bosso, diretora técnica do Parque das Aves.
De acordo com Fabio Nunes, gerente de programa da ONG Aquasis, mesmo com o monitoramento constante na Serra de Baturité, desde setembro de 2024 os pesquisadores não tinham registro da ave no ambiente natural.
O trabalho dos técnicos teve início em 2020, com um workshop para definir estratégias de conservação da espécie. Naquele ano, foi planejada as ações de captura. “Inicialmente a decisão era encontrar ovos e incubá-los artificialmente, facilitando o manejo. No entanto, em dois anos de buscas, foi achado apenas um ninho e este foi devorado por teiús”, diz ele.
Em abril de 2022, cinco indivíduos de uru-nordestino foram enviados para Foz do Iguaçu para serem cuidados pela equipe do Parque das Aves, em um trabalho conjunto com a ONG Aquasis, que atua para evitar a extinção das espécies no Nordeste do Brasil.
“Capturar alguns indivíduos de urus-nordestinos de uma população tão reduzida foi uma decisão complicada, mas com planejamento e com esse resultado, nossas esperanças se renovam. Com sorte, este será apenas o primeiro de muitos que ajudarão a salvar essa ave da extinção”, afirma.
Nascimento assistido e desenvolvimento
Desde a chegada dos pais do filhote ao Parque das Aves, cópulas e construções de ninhos já foram observados pela equipe em diferentes ocasiões. Mas foi só em dezembro de 2024 que um único ovo foi descoberto por um dos tratadores.
Devido à possível inexperiência dos pais e ao alto grau de ameaça enfrentado pela espécie, a equipe decidiu transferi-lo para a sala de neonatologia, onde o ovo foi cuidadosamente monitorado.
Durante 26 dias, parâmetros de peso e biometria foram acompanhados até o nascimento, que exigiu intervenção assistida. Segundo a supervisora de manejo de neonatos Bianca Fernandes, a decisão permitiu aumentar as chances de nascimento e criar um protocolo pioneiro para filhotes da espécie.
O nascimento, que levou 30 horas desde o primeiro furo na casca até a eclosão, foi acompanhado com tensão e emoção por toda a equipe. “Foi uma experiência tocante ver aquele pequeno ser tão vulnerável nascer”, relembra Paloma.
Ameaças graves
O uru-nordestino (Odontophorus capueira plumbeicollis) é uma subespécie do uru (Odontophorus capueira). Exclusiva de fragmentos da Mata Atlântica do Nordeste, incluindo áreas dentro do bioma Caatinga. Seu parentesco mais próximo é com o uru-do-sudeste (Odontophorus capueira capueira).
Baseado em observações de campo feitas em quase 12 anos, os especialistas suspeitam que a população de uru-nordestino da Serra de Baturité não deva ultrapassar os 50 indivíduos.
Os motivos incluem caça, perda de habitat, predação por animais silvestres com populações descontroladas (teiús e raposas) e animais domésticos introduzidos (cães, gatos e jabutis), além de possíveis doenças transmitidos por aves domésticas.
“A extinção local em diversas áreas de distribuição históricas é clara. O seu severo declínio populacional na Serra de Baturité nos últimos anos aponta para o risco deste táxon sumir da natureza ainda na próxima década”, explica Fabio.
“Além disso, devido a pressão de caça em uma área de ocorrência de dois bandos monitorados na serra de Baturité, decidimos realizar a captura de indivíduos adultos. O uru-nordestino ainda se reproduz na natureza, mas tem sido cada vez mais raro encontrá-lo”, completa.
Esperança para o futuro
De acordo com comunicado do Parque das Aves, o filhote se encontra em ótimas condições de saúde e já demonstra independência, passando por um processo de adaptação para integração futura ao recinto com outros indivíduos da instituição.
O nascimento do primeiro filhote de uru-nordestino demonstra o sucesso do planejamento de longo prazo para a criação de uma população de segurança, estratégia fundamental para a reintrodução futura da espécie em áreas restauradas e protegidas.
“Salvar espécies é um esforço colaborativo. Para a conservação efetiva de uma espécie, todos nós precisamos trabalhar juntos – zoológicos, criadouros, centros de triagem de animais selvagens, ONGs, agências estaduais, universidades, autoridades federais,” diz Eduardo Barbosa, coordenador do PAN das Aves da Mata Atlântica, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE/ICMBio).
Um Plano de Manejo Populacional (PMP) pioneiro está sendo construído pelo Cemave e diversas instituições especializadas. Ele deve incluir censo populacional do uru-nordestino, captura e instalação de telemetria, busca por ovos, identificação e manejo de predadores, fiscalização, criação de áreas protegidas, entre outras ações voltadas à conservação.
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