Exuberância de apresentação do artista no Rio expõe a felicidade da obra do compositor carioca. Marcos Valle faz retrospectiva da carreira em show no Blue Note Rio
Mauro Ferreira / g1
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Marcos Valle
Artista: Marcos Valle
Data e local: 8 de fevereiro de 2025 – sessão das 22h30m – no Blue Note Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♬ “Bicicleta”, pediu a espectadora, sentada em uma das mesas alocadas na frente do palco do Blue Note Rio, quando Marcos Valle voltou para o bis do segundo dos dois shows apresentados pelo artista na casa carioca na noite de ontem, 8 de fevereiro.
O cantor atendeu o pedido, justificando que Bicicleta (1984) – música composta com o irmão Paulo Sérgio Valle e lançada por Marcos na fase malhação da discografia da década de 1980 – era música ensolarada que caía bem na função de encerrar a temporada de shows do artista no Blue Note Rio e no Blue Note São Paulo.
Antes de acionar o motor pop de Bicicleta, o cantor interpretou com a devida sobriedade, em número solo de voz e piano Rhodes, grande canção politizada da era dos festivais, Viola enluarada (1968), outra parceria com o irmão Paulo Sérgio Valle. O contraste entre Viola enluarada e Bicicleta exemplificou no show a versatilidade rítmica do cancioneiro desse já octogenário compositor carioca que entrou em cena no início da década de 1960, ainda no embalo da revolução feita pela Bossa Nova em 1958.
Ícone planetário da Bossa Nova, por conta do sucesso do Samba de verão (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1964) em escala mundial a partir de 1966, o cantor, compositor, pianista e arranjador carioca fez no Blue Note Rio uma exuberante retrospectiva da carreira.
Em roteiro inteiramente autoral, construído com músicas lançadas ao longo dos últimos 60 anos e sem a preocupação de incluir todos os hits, o artista surpreendeu o público ao reviver o baião Os ossos do barão (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1973), tema-título da novela exibida pela TV Globo entre outubro de 1973 e março de 1974.
Baião aliciante que ecoa a influência de Luiz Gonzaga (1912 – 1989) na formação musical do artista, Os ossos do barão aparece no disco com a trilha sonora nacional da novela – trilha inteiramente composta por Marcos com Paulo Sérgio Valle – e também no álbum Previsão do tempo, lançado por Valle no mesmo ano de 1973.
Deste disco, o cantor reviveu no show Mentira (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1973) – tema propagado em outra novela da Globo, Carinhoso (1973 / 1974) – e Não tem nada não (1973), parceria de Marcos com Eumir Deodato e João Donato (1934 – 2023).
A exuberância do show também deve ser creditada à grandeza da banda que se acomodou com Marcos Valle no pequeno palco do Blue Note e que incluía Alberto Continentino, baixista gigante, e o baterista Renato Massa. A potência dos sopros de Jessé Sadoc (saxofone e flugelhorn) amplificou a energia solar de obra muito calcada no groove, iluminando músicas como Estrelar (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1983), o maior hit da fase malhação do cantor.
Como o groove imperou, temas instrumentais como Jet-samba e Bar inglês, ambos apresentados há 20 anos no álbum Jet-samba (2005), também moldaram o roteiro, parcialmente seguido por Marcos Valle com os vocais de Patrícia Alvi, hábeis tanto nos temas de ritmos mais ágeis como nas músicas mais lentas, caso do nublado samba-canção Preciso aprender a ser só (1965), standard da parceria de Marcos com o irmão Paulo Sérgio que ecoa a influência menos aparente do cancioneiro de Dolores Duran (1930 – 1959) na obra do artista.
Entre a reflexão outonal de Emicida sobre o tempo nos versos de Cinzento (2020) e a ode festiva ao bem e à paz de Parabéns (Marcos Valle e Stephen Bond, 2003), Marcos Valle fez enérgica abordagem de Se projeta (2020) – parceria com Bem Gil que cresceu no show em relação à gravação do álbum Cinzento (2020) – e seguiu a rota intercontinental de A Paraíba não é Chicago (Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle, Laudir de Oliveira, Peter Cetera e Leon Ware, 1981) ao dar voz a este híbrido de baião e funk.
Com coesão e sem tempos mortos, o show ratificou a atmosfera solar e jovial do cancioneiro de Marcos Valle, compositor que celebra a vida sem choro nem dor, como cantou nos versos de Água de coco (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 2003), outro tema que se afina com o verão da bicicleta, do samba, da bossa.
Parafraseando versos dessa música lançada no álbum Contrasts (2003), como é bom viver no tempo ensolarado de Marcos Valle!
Marcos Valle canta músicas como o baião ‘Os ossos do barão’, de 1973
Mauro Ferreira / g1