Grupo de 40 motociclistas que trabalha em Perus, na Zona Norte, se consolidou pela falta de ônibus e pelo medo dos passageiros de caminharem à noite no bairro. A maioria dos transportados é mulher. Motoristas afirmam que nenhum acidente com passageiro ocorreu no período e querem regulamentação da categoria. Motociclistas que atuam de ‘mototáxi’ no bairro de Perus, Zona Norte de São Paulo, há quatro anos.
Rodrigo Rodrigues/g1
Enquanto a Prefeitura de São Paulo e o aplicativo de transporte 99 travam uma batalha na Justiça para proibir ou não o serviço de transporte de motos por aplicativo na capital paulista, motociclistas que trabalham há anos na cidade com esse serviço vêm os dois lados com desconfiança.
Mesmo sem regulamentação, no bairro de Perus, Zona Norte da capital, um grupo de cerca de 40 motociclistas trabalha há quatro anos com o serviço e estão preocupados com a disputa.
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Os motociclistas são responsáveis por um grupo de WhatsApp – que eles também chamam de aplicativo (app) – com cerca de 700 moradores do bairro, onde são ofertadas “caronas pagas” de moto entre a estação Perus da CPTM e os bairros do entorno.
As corridas entre a estação e os bairros mais próximos variam de R$ 6 a R$ 12. Para corridas para outras localidades, os valores são negociados direito com cada motociclista.
O grupo foi fundado, segundo um dos coordenadores, durante a pandemia, quando vários motociclistas estavam desempregados e a oferta de ônibus e transporte público no bairro diminuiu drasticamente.
“Várias pessoas estavam sem emprego e os ônibus não passavam nunca aqui no bairro. O número de assaltos perto da estação também é grande e os moradores não se sentem seguros de andar por aqui. Devagar fomos conquistando a confiança da comunidade, o grupo foi crescendo e hoje estamos em 40 motoqueiros”, disse o mestre de capoeira Cosme Santana, o Cipó, um dos fundadores do grupo.
Estação Perus, da CPTM, onde mototaxistas atuam no transporte de passageiros há quatro anos.
Rodrigo Rodrigues/g1
“Nossos principais clientes são mulheres e mães de família, que precisam chegar em casa rápido pra cuidar das crianças, levar alguém no médico ou porque têm medo dos assaltos à noite. A gente começa a trabalhar às 5h da manhã e vamos até meia-noite, quando passa o último trem na estação”, contou.
Os mototaxistas de Perus criticam a decisão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) de simplesmente proibir o transporte remunerado por meio de moto na cidade, começando a fazer apreenções sem nem abrir uma discussão pública sobre a regulamentação do serviço na cidade.
“A gente sabe que está irregular. Mas a gente quer trabalhar na legalidade, sem precisar conversar o tempo todo com a polícia e implorar pelo nosso ganha pão. Não dá simplesmente para proibir e dizer que vai multar e apreender as motos. Todo mundo aqui é trabalhador. A gente presta um serviço importante para a comunidade”, disse Cipó.
O grupo também vê com desconfiança a chegada da 99 Moto no setor, sem negociar com os motoqueiros da cidade para saber das necessidades da categoria.
“A 99 não veio sentar com a gente pra ouvir nossas necessidades. A gente precisa de um bolsão pra esperar e receber passageiro, usar um banheiro ou se proteger do sol e da chuva. Eles querem morder parte do nosso dinheiro, da nossa renda, sem oferecer nenhuma contrapartida.”, disse Denis Santos, outro dos coordenadores do serviço de mototáxi de Perus.
Motoqueiro transporta passageiro e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
Montagem/g1/Reprodução/Redes Sociais
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Com 50 anos de idade e pai de dois filhos, Santos disse que há 4 anos o grupo não registra acidentes com passageiros em Perus.
“Todo mundo aqui é responsável. Quem corre com o passageiro ou tem conduta que não é a correta, a gente chama pra conversar e enquadra. Nesses quatro anos, não tivemos nenhum acidente com passageiro. Porque a segurança e a confiança são o nosso principal capital”, afirmou.
“A gente chega aonde taxista, uber ou os ônibus da prefeitura não vão. Subimos rua de terra, cheia de buracos, sem asfalto. Tem gente aqui que as vezes não tem dinheiro para nos pagar, mas precisa da corrida. A gente faz na camaradagem, porque a gente sabe quem é trabalhador e lá na frente vai nos pagar e continuar usando o serviço”, afirmou o mototaxista Cipó.
Com medo de represálias da prefeitura, eles não quiseram se deixar fotografar.
Opinião dos usuários
Mototáxi no interior de São Paulo
TV Diário/ Reprodução
A base principal de clientes dos motociclistas vem do grupo do Whatsapp. Mas muitos moradores de Perus preferem chamar os motociclistas de maior confiança direito nos seus números pessoais.
É o caso da estudante Victória Gabriela, de 17 anos. Ela é moradora do bairro Recanto dos Humildes, um conjunto habitacional nascido nas imediações da estação de Perus.
“Pessoal de grupo sempre manda coisa que deve e enche a memória dos nossos celulares. Prefiro falar direto com os meninos. Uso direito o mototáxi deles porque morro de medo dos assaltos ali na Salles Gomes. A gente dá duro, trabalha meses para comprar um celular e vem um bandido e leva embora. Sem contar o medo que a gente tem de ser estuprada”, disse a jovem.
A doméstica Maria Helena Pereira, de 65 anos, também elogia o trabalho dos motoqueiros.
“Eles sempre usam capacete, são bastante educados e respeitadores. Se a gente acha que tão indo muito rápido, a gente pede para diminuir e nenhum deles reclama. Para mim é uma mão na roda. E custa quase o mesmo que o ônibus, que aqui no bairro é lotado às 5h da manhã e demora pra chegar que só Deus na causa…”, afirmou.
Os mototaxistas de Perus se dizem insatisfeitos tanto com a gestão Nunes quanto com os representantes da 99 atualmente.
“Dois anos atrás, quando essa história da 99 Moto e do Uber começou, eles fizeram uma reunião com a gente querendo saber nossa opinião [sobre os aplicativos]. Sumiram e nunca mais apareceram. Mesma coisa o prefeito. Na campanha veio aqui no bairro duas vezes, andou no calçadão, fez promessas de nos ajudar. Acabou a eleição, ninguém viu mais”, disse Denis Santos.
Prefeitura de SP x 99 = apreensões
Blitze contra mototáxi continuam na capital
Até que a Justiça tome uma posição definitiva, a queda de braça entre a gestão Nunes e o aplicativo 99 taxi continua em São Paulo e já resultou na apreensão de pelo menos 106 motos flagradas em trabalho de transporte remunerado de passageiros até este domingo (19).
Desde a quinta-feira (16), o Departamento de Transportes Públicos (DPT), com apoio da Guarda Civil Metropolitana (GCM), realiza operações para coibir a prática ilegal em dez pontos distribuídos por quatro regiões da cidade, a mando do prefeito de São Paulo.
“O transporte remunerado por moto via aplicativo é proibido por decreto municipal de 2023. O transporte individual de passageiros remunerado sem autorização do município é clandestino, conforme as leis 15.676/2012 e 16.344/2016. (…) Neste domingo, os agentes fiscalizaram 566 motocicletas. Para estabelecer a proibição desse tipo de transporte na capital, a Prefeitura se baseou em dados concretos sobre o aumento de sinistros, mortes e lesões com o uso de motocicletas na cidade”, disse a gestão municipal.
A Prefeitura afirma, ainda, que o crescimento de acidentes e mortes de motoqueiros na capital paulista é proporcional ao da frota, que teve um salto de 35% nos últimos dez anos, passando de 833 mil em 2014 para 1,3 milhão em 2024.
“O número de mortes cresceu 22% de janeiro a novembro de 2023, com 350 óbitos, para 427 no mesmo período de 2024, mesmo com a Faixa Azul e outras medidas importantes de segurança adotadas pela Prefeitura”, afirmou.
Na tarde desta sexta-feira (17), a Procuradoria Geral do Município (PGM) ingressou com uma ação civil pública em que pede multa diária de R$ 1 milhão por danos morais coletivos e crime de desobediencia contra a empresa 99.
Até a última atualização desta reportagem, a Justiça ainda não tinha se manifestado a respeito do pedido.
O que diz a 99 Moto
Ricardo Nunes notifica serviço da 99motos
ESTADÃO CONTEÚDO/FOTOARENA/ALOISIO MAURICIO
O aplicativo 99 diz, porém, que “a legalidade da operação da 99Moto está respaldada pela Lei nº 13.640, de 2018” e diz que “vai apoiar os motociclistas parceiros com os custos associados às apreensões ilegais realizadas durante as blitze da Prefeitura de São Paulo”.
“Todos os motociclistas parceiros que já acionaram a plataforma sobre a questão estão sendo atendidos em caráter prioritário. Os passageiros envolvidos nas viagens também terão suas corridas ressarcidas. A 99 seguirá defendendo a legalidade da categoria e os direitos tanto da empresa quanto de seus usuários”, disse.
Para solicitar análise e reembolso, os motoristas devem entrar em contato com a 99 pelo app, ir em “Central de Ajuda” e selecionar a opção “Recebi uma apreensão enquanto dirigia”.
“Os documentos necessários são: cópia da multa, informações bancárias completas, termo de acordo assinado, e documento social com foto (CNH ou RG). Em até cinco dias úteis, se procedente, o valor será depositado na conta informada”, afirmou.
A empresa também afirma que, caso o passageiro se sinta lesado, também poderá reportar para a plataforma para ter o dinheiro de volta.